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Como seria uma Nova York socialista?

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Suponhamos que o socialismo chegasse a Nova York para ficar a longo prazo. Como seria a vida sob uma liderança inteiramente comprometida com essa visão?

Reconheço que isso provavelmente jamais acontecerá. São muitos os obstáculos legais e políticos no caminho. Os direitos de propriedade continuam sacrossantos, os interesses de proprietários são poderosos demais para serem desalojados e as cidades não são corpos políticos autônomos. O material humano também pode faltar: qualquer líder eleito pode provar-se um peso leve incompetente, incapaz de traduzir compromisso ideológico em governança prática.

Mas deixemos tudo isso de lado e façamos um experimento mental. Imagine, em algum universo paralelo, um brilhante e eficaz prefeito socialista que assume o cargo com uma vitória esmagadora — e descobre, para seu espanto, que nenhuma autoridade superior, local ou nacional, se interpõe em seu caminho. Não precisamos forçar a imaginação: o socialismo já foi testado antes, e mentes mais aguçadas que a minha analisaram os resultados. O guia recomendado para esse purgatório continua sendo O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayek.

O que se segue é um conto narrado no tempo futuro, uma tentativa de imaginar como a “visão incontida” do socialismo poderia se desenrolar em uma Nova York incontida. É ficção especulativa, não profecia. Nenhum socialista real foi prejudicado na confecção deste experimento.

O que é o socialismo, verdadeiramente e realmente? Permita-me começar por essa questão básica. A constituição dos Socialistas Democráticos da América define o grupo como “uma ordem social humana baseada no controle popular dos recursos e da produção, planejamento econômico, distribuição equitativa, feminismo, igualdade racial e relações não opressivas.” As palavras de maior peso aqui são “equidade” e “planejamento”. Todo tipo de socialismo conhecido pela história fixou-se na igualdade absoluta como fim político — alcançada por meio de planejamento científico e imposta pela aplicação racional do poder estatal.

Nosso novo prefeito imaginário é um membro orgulhoso dos Socialistas Democráticos. Sua primeira ordem de serviço, ao assumir o cargo, será transformar as ideias da organização em realidade. O lucro, por exemplo, será considerado criminoso. A propriedade será regulada tão minuciosamente que, na prática, pertencerá à cidade. Um novo órgão de planejamento — composto por especialistas e tecnocratas — será estabelecido sob o gabinete do prefeito. Vamos dar-lhe um nome evocativo: a Autoridade Planejadora Central, ou CPA. Sua missão será elaborar o plano prático para o socialismo com cara de Nova York.

Quase de imediato, encontramos uma contradição. O socialismo promete colocar os recursos sob “controle popular” — de modo que, por exemplo, os inquilinos, em vez dos proprietários, tomem conta dos edifícios que ocupam. Ainda assim, implementar uma “economia planejada” exige concentrar imenso poder nas mãos de um pequeno grupo de especialistas governamentais. As duas abordagens são incompatíveis. Então, qual caminho leva à igualdade?

Essa contradição é um fantasma intelectual que se desfaz num sopro de fumaça ao primeiro contato com a realidade. “A população” é uma entidade amorfa, incapaz de organizar qualquer coisa. O socialismo sempre foi um sistema de cima para baixo, no qual uma vanguarda de visão ampla, agindo em nome do público, comanda os recursos necessários para alcançar o grau adequado de igualdade. O prefeito e seus planejadores irão incorporar essa nova classe de líderes visionários. Seus mandatos preencherão o vácuo deixado pela abolição da economia privada. Inquilinos que antes sonhavam com a propriedade descobrirão que trocaram seu senhorio por um comissário político.

A CPA estabelecerá o controle dos meios de produção; esse é o primeiro mandamento do socialismo. Mas os meios rapidamente sobrepujarão os fins. Você não pode controlar os recursos materiais de Nova York sem também controlar a direção das 8,5 milhões de vidas privadas. Metas e planos individuais devem ser suprimidos. O individualismo é odioso para o socialista porque gera desigualdade. Então, se você sonhava em abrir uma pequena bodega em Washington Heights, o prefeito dirá: “Desculpe, não.” E se já possui uma, você será, na prática, um empregado da CPA.

Espera-se resistência e até ela será bem-vinda. Isso vai escancarar os vigaristas capitalistas, que poderão ser criticados até sua extinção. Inevitavelmente, uma certa quantidade de conflito acompanhará o processo de nivelamento, enquanto hordas de desabrigados invadem residências antes privadas e os pobres apropriam-se dos bens de que precisam. Criminosos violentos, cuja existência o prefeito descartou como “construção capitalista”, buscarão acertar contas, sem dúvida por meio de uma série de diálogos socráticos com a polícia.

A lógica econômica do socialismo tende para a ditadura da nova classe. Essa ditadura, por sua vez, rejeita regras fixas — afinal, pessoas diferentes devem ser tratadas de modo diferente para alcançar resultados iguais. Velhos ideais sofrerão mutações estranhas. Liberdade deixará de significar ausência de coerção; passará a significar ausência de necessidade material. A tão vangloriada democracia dos Democratic Socialists revelará ser anti-majoritária e obcecada em equilibrar a proporção correta de “raça, identidade de gênero, orientação sexual, condição de deficiência, idade, religião e origem nacional.”

Nesse espírito, o prefeito alterará o sistema de voto por escolha classificada da cidade de modo que pessoas de cor valerão 1,58 votos — a razão exata da disparidade de renda com os brancos. “A democracia de Nova York,” ele se vangloriará, “atingiu hoje a perfeição matemática.”

A recorrência eterna do socialismo, apesar de seus fracassos históricos, tem explicação simples, segundo o economista Tyler Cowen: “As pessoas gostam de coisas grátis.” Se isso for verdade, nosso prefeito está no caminho certo. Ele venceu a eleição prometendo todos os tipos de bens e serviços gratuitos: transporte coletivo, creches, transições de gênero, controle de aluguel e distribuição de alimentos — orgânicos, sem carne e produzidos localmente — para bairros pobres. E isso é apenas o começo. Quando a CPA entrar em ação, toda a economia de Nova York será manipulada para humilhar os poderosos e exaltar os marginalizados.

Os socialistas amam a redistribuição. Eles tiram de uns e dão a outros — para isso nasceram. Mas e a produção? Como, em uma economia planejada, se cria a riqueza para pagar todas as coisas grátis? Afinal, o sistema de ônibus da cidade custa mais de 800 milhões de dólares por ano para manter. O dinheiro precisa vir de algum lugar para que funcione.

Os socialistas exibem uma notável indiferença ao lado da oferta da economia. Parecem presumir que a produção continuará como antes, só que melhor. Trabalhadores, agora libertados da labuta e colocados no comando de seus próprios estabelecimentos, supostamente sentirão inspiração para elevar tanto a quantidade quanto a qualidade de sua produção, crescendo assim a riqueza da cidade. Mas essa presunção repousa numa falácia. O controle da economia estará com os planejadores, não com os trabalhadores. As cotas de produção provavelmente serão atribuídas pela CPA, como professores atribuem tarefas de casa. A labuta persistirá — e uma vez que os salários fossem igualados, a produtividade despencará.

Toda instância do socialismo em prática canibalizou a economia capitalista até o osso — até que a crise ocorre. A produtividade em declínio significa menos bens e serviços disponíveis. Controles de preço garantem que toda a população esteja correndo atrás de uma oferta que está encolhendo. O resultado inevitável é uma crise de demanda de proporções épicas, uma mudança vertiginosa da abundância para a escassez. Imagine corredores de prateleiras vazias, longas filas fora das lojas e batalhas acirradas quando algum produto essencial, como papel-higiênico, faz uma breve aparição.

Para nosso prefeito e seus companheiros socialistas, que abraçam uma austeridade quase monástica, o colapso é menos uma crise do que um ideal. A grande questão passa a ser como planejar a igualdade em uma economia que está rapidamente encolhendo. Da Grã-Bretanha do pós-guerra à Cuba atual, a resposta socialista sempre foi a mesma: o cartão de racionamento. A alocação de bens e serviços completará o estrangulamento da vida diária pelo governo municipal. A CPA decidirá quem recebe o quê, onde e por quais razões burocráticas. Quando se tratar de cuidados médicos e acesso a leitos hospitalares, ela decidirá quem vive e quem morre. Para simplificar o planejamento, a mobilidade entre empregos e habitações será desencorajada. Investimentos em inovação e novas tecnologias serão vistos com desaprovação por serem demasiado disruptivos.

O socialismo, aprenderemos, é imediatamente radical mas, em última instância, conservador — até reacionário — de espírito: ele sonha com uma sociedade perfeita, inalterável, imóvel. Por ordem da CPA, Nova York será congelada no tempo e no espaço.

De uma perspectiva, o socialismo parece destituído de moralidade: todas as noções tradicionais de certo e errado devem ceder ao imperativo categórico da igualdade. Mas, corretamente entendido, essa é a moral socialista. Se a igualdade é o mais alto bem humano, então qualquer coisa que se interponha no seu caminho — seu emprego em Wall Street, sua família supereducada, sua grande mansão — deve ser sacrificada no altar do deus nivelador.

O prefeito, sendo socialista, deve, em princípio, abraçar mentiras e violência se elas avançarem a causa. De fato, será seu dever sagrado fazê-lo. Se o padrão usual se mantiver, ele cercar-se-á cada vez mais de indivíduos de caráter severo e poucos escrúpulos — pessoas temperamentais capazes de ditar, em minúcia, como os nova-iorquinos devem levar vidas igualitárias. Membros do governo municipal que não tiverem estômago para tal trabalho — possivelmente incluindo o próprio prefeito — serão empurrados de lado. Os idealistas atraentes que conquistaram o poder serão devorados por aqueles que sabem como empunhá-lo.

As campanhas de informação da cidade abandonarão o fetiche capitalista que separa verdade de falsidade. As realizações mais banais do governo serão anunciadas como triunfos napoleônicos; quando não se encontrarem realizações, elas serão inventadas para edificação das massas. Uma mídia submissa, impulsionada por comissários zelosos, cumprirá sua parte.

Padrões serão abolidos para criar a ilusão de progresso radical. Todos os estudantes, independentemente do esforço, se formarão com média 10. Todo teste de QI aplicado na cidade identificará um gênio.

Como sua ideologia falhou consistentemente no passado, os socialistas aperfeiçoaram a arte de atribuir culpa. Mesmo em uma economia de escassez, podem produzir um suprimento infinito de bodes-expiatórios. Nova York, como centro financeiro global, oferece um alvo natural no “Grande Capital” — salvo que o capitalismo de hoje é uma sombra pálida do seu antigo eu explorador, mais United Colors of Benetton do que vampiro sugador de sangue. Será necessário um estereótipo mais grosseiro, mais facilmente odiado.

É claro que isso só pode significar os judeus. Ou, se quiser, os “sionistas”, categoria que inclui os 84 por cento dos judeus americanos que sentem afinidade com Israel. Algo de que os socialistas seguramente gostam é vestir keffiyehs e intimidar sionistas por aí. Nosso prefeito não é exceção. Ele considera Israel uma nação singularmente genocida e nutre uma urgência justa de punir aqueles que se recusam aceitar essa premissa. Saberemos que uma de suas políticas colapsou porque, no exato momento, ele lançará uma campanha de culpa, visando sionistas subversivos, o Mossad, o IDF, Benjamin Netanyahu, colonos da Cisjordânia, e — por que não? — aqueles capitalistas ardilosos sempre à mão, os Rothschild.

Em lugar do Dia de Colombo, agora banido por glorificar o colonizador original, o prefeito introduzirá o Dia da Vitória Palestina. “Saia e comemore este novo feriado,” dirá ele, piscando, “com as atividades que você achar mais adequadas.”

Assim termina o experimento de pensamento. Alguns podem achar-no excessivamente severo — mas minha consciência está tranquila. O socialismo seguiu uma trajetória histórica previsível, e os pronunciamentos dos Socialistas Democráticos persistem monotonicamente com os da antiga religião. Sua retórica parece obra de viajantes do tempo recém-chegados do ano 1900. Esperar um resultado novo das mesmas políticas arcaicas beira a insanidade.

Há uma razão fundamental pela qual o socialismo falha: a busca da igualdade exige um preço. No espectro dos valores democráticos, liberdade e igualdade estão em extremos opostos: quanto mais de um, menos do outro. Liberdade total é o estado da natureza, onde o peixe grande engole o pequeno. Igualdade total, seja como for definida, requer controle total para compensar a imensa diversidade da experiência humana. Tirania é o resultado inevitável.

Um enigma persistente é por que um ideal tão falido permanece popular entre certos eleitores. Discordo de Cowen nesse ponto — o custo das coisas grátis é alto demais para a maioria das pessoas, mesmo em Nova York. A resposta, penso, está em outro lugar.

Acredito que muitos americanos agora habitam um deserto espiritual. Perdemos a fé em Deus e na igreja, na família e na comunidade. Alguns de nós nem ao certo sabem se somos homens ou mulheres. As fontes profundas de significado secaram, deixando-nos ressequidos e desesperados por sustento.

Como heresia cristã secular, o socialismo oferece submissão e sacrifício a serviço de um Éden político, onde o leão deita com o cordeiro. É ouro de tolo espiritual, mas pelo menos é algo. Se você é jovem e ansioso, ou velho e arrependido, pode muito bem seguir os Socialistas Democráticos até o cume da montanha — e para o penhasco.

Martin Gurri é ex-analista da CIA e autor de The Revolt of the Public and the Crisis of Authority in the New Millennium (sem edição brasileira).

©2025 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês: Socialism with a New York Face.

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