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As diferenças entre o 6 de janeiro nos EUA e 8 de janeiro no Brasil

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Dois episódios muito parecidos, ainda pouco estudados quanto às suas coincidências, marcaram a história recente do continente americano: a invasão do Congresso americano em janeiro de 2021 e a depredação dos prédios públicos na Praça dos Três Poderes em 2023.

Nos Estados Unidos, a invasão do Capitólio (prédio onde funciona o Legislativo dos Estados Unidos) foi tratada como uma questão criminal, conduzida pelo FBI e supervisionada pelo Departamento de Justiça, sem interferência da Suprema Corte.

No Brasil, o 8 de janeiro de 2023 levou a uma resposta jurídica fora dos padrões. O STF assumiu diretamente a competência criminal, alegando ameaça à democracia. 

Entre as principais diferenças, portanto, está o tratamento judicial dos casos. Enquanto a justiça dos Estados Unidos descentralizou as decisões e aplicou penas proporcionais, a do Brasil concentrou os processos e impôs punições mais severas.

O que realmente aconteceu no Capitólio? 

Em 6 de janeiro de 2021, o Congresso Americano se reunia no Capitólio para certificar os votos do Colégio Eleitoral, confirmando Joe Biden como presidente e Kamala Harris como vice-presidente. Donald Trump, que havia perdido as eleições em novembro de 2020, alegou fraude e convocou apoiadores a se dirigirem a Washington no comício “Salve a América”), realizado na manhã do mesmo dia próximo à Casa Branca.

Durante o discurso, Trump reiterou que a eleição havia sido “roubada” e pediu aos participantes que marchassem pacificamente até o Capitólio. Entre 10 e 20 mil pessoas seguiram em direção ao prédio do Congresso. Por volta das 14h, parte dos manifestantes ultrapassou barreiras de segurança, invadiu o Capitólio, enfrentou a polícia e interrompeu a sessão em andamento. Parlamentares foram evacuados e o vice-presidente Mike Pence retirado às pressas. 

O caos durou cerca de quatro horas, até que a Guarda Nacional e a Polícia do Capitólio retomaram o controle. Alguns veículos apontam que cinco pessoas morreram direta ou indiretamente. Mas o portal conservador Daily Wire detalha que, até onde os dados públicos permitem concluir, apenas uma pessoa morreu diretamente pela violência no dia (Ashli Babbitt, baleada por agente da polícia do Capitólio). Outras três pessoas morreram naquele dia em decorrência de “emergências médicas separadas”, como ataque cardíaco ou AVC. O outro caso teria sido de um policial, Brian Sicknick, cuja relação com os eventos ainda não estaria comprovada.

Após o controle do prédio, a sessão do Congresso foi retomada naquela noite, e às 3h42 do dia 7 de janeiro, Pence declarou oficialmente Joe Biden vencedor.

Julgamento americano 

O episódio foi tratado como criminal, e não político. O sistema jurídico americano manteve o funcionamento normal de suas instituições, sem interferência direta da Suprema Corte ou do Poder Executivo. Cada acusado respondeu individualmente por seus atos, com direito a defesa técnica, julgamento público e possibilidade de apelação. As investigações foram conduzidas pelo FBI e supervisionadas pelo Departamento de Justiça, que coordenou promotores federais em diferentes estados. 

As denúncias mais comuns incluíram entrada ilegal em edifício público restrito, danos à propriedade federal, obstrução de procedimento oficial e, nos casos mais graves, conspiração sediciosa, crime cuja pena pode chegar a vinte anos. As sentenças variaram conforme a participação. Algumas pessoas receberam multas e liberdade condicional, enquanto líderes de grupos mais efusivos foram condenados a mais de dez anos de prisão.  

Nenhum réu foi julgado pela Suprema Corte, que se manteve em seu papel constitucional de guardiã das leis. Os processos tramitaram em tribunais federais de primeira instância, especialmente no Distrito de Colúmbia, com ampla transparência e respeito ao contraditório. 

A justiça política brasileira 

No Brasil, o 8 de janeiro de 2023 também resultou em depredação de prédios públicos e invasão de sedes dos três Poderes, mas a resposta jurídica assumiu caráter político. O STF, tradicionalmente voltado a questões constitucionais, decidiu assumir a competência direta sobre os processos criminais, considerando-os ameaça direta à democracia. 

O inquérito 4.921, sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, concentrou as investigações e fundamentou ações penais. Os acusados foram enquadrados em crimes como abolição violenta do Estado Democrático, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado ao patrimônio da União, associação criminosa armada e deterioração de patrimônio tombado. 

Em setembro de 2023, começaram as sessões plenárias de julgamento no próprio Supremo, transmitidas ao vivo. As condenações chegaram a mais de 17 anos de prisão, com multas e indenizações milionárias.

Diferentemente do sistema americano, não houve juízes de primeira instância nem júri popular, e as possibilidades de revisão ficaram restritas ao próprio STF. A Corte concentrou investigação, processamento e julgamento. 

A comparação necessária 

Nos Estados Unidos, a Justiça buscou descentralização e proporcionalidade; no Brasil, prevaleceram centralização e os réus tratados com punição exemplar. Enquanto a Suprema Corte americana se manteve distante, preservando a separação dos poderes, o STF brasileiro se tornou o epicentro do processo. 

Para os norte-americanos, a Justiça segue um caminho previsível e impessoal. No Brasil, a resposta reafirmou a autoridade do Estado e a legitimidade das instituições. Em ambos os casos, a lei foi convocada a restaurar a ordem, mas a aplicação revelou o espírito de cada democracia. 

As sentenças revelam dois modelos de Justiça 

O abismo jurisdicional entre os dois episódios é evidente. Nos Estados Unidos, Jacob Chansley, o “xamã do Capitólio”, foi condenado a 41 meses de prisão por obstrução de procedimento oficial, após se declarar culpado. Angeli se tornou conhecido mundialmente ao aparecer trajando um chapéu de pele com chifres e carregando uma lança de quase dois metros (com a bandeira americana amarrada) durante a invasão. Além de apoiador de Trump, o “xamã” era adepto do QAnon, um grupo que surgiu na internet e que defende teorias da conspiração.

Outro exemplo foi o de Enrique Tarrio, líder do “Proud Boys”, recebeu 22 anos por conspiração sediciosa, mesmo sem estar presente na invasão. Os promotores argumentaram que Tarrio inspirou seus seguidores com seu “carisma e propaganda”, instigando-os a participar do ataque naquele dia. O juiz concordou com os promotores ao considerar os crimes dos Proud Boys como terrorismo, e a sentença de Tarrio foi menor do que os 33 anos solicitados pela acusação.

Ao voltar à Casa Branca, em janeiro deste ano, Trump concedeu perdão presidencial a cerca de 1,5 mil acusados ​​de envolvimento no 6 de janeiro, incluindo o “Xamã do QAnon” e Henrique Tarrio.

Ambos os processos tramitaram em tribunais federais, com julgamento público e possibilidade de recurso, sem intervenção da Suprema Corte nos casos criminais. O perdão de Trump também não foi contestado.

O contraste com o Brasil 

O caso de Aécio Lucena, primeiro réu condenado pelo STF, simbolizou a rigidez brasileira: 17 anos de prisão, sem júri ou recurso a outra instância. Seu crime foi ter sido flagrado dentro do Congresso Nacional usando uma camiseta com a inscrição “intervenção militar já”. 

“Débora do Batom”, o símbolo do exagero judicial brasileiro, foi fotografada ao lado da estátua da Justiça com a frase escrita em batom “Perdeu, Mané”. Por isso foi condenada a 14 anos de prisão.  

Se na invasão à Praça dos Três Poderes não teve morte, a punição judicial já causou um óbito. Clezão, filmado durante a invasão do Congresso Nacional, foi preso preventivamente e após a justiça negligenciar seu histórico de diabetes e hipertensão, Clezão sofreu um infarto fulminante e morreu no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília. 

Embasamento legal 

Do ponto de vista legal, a base das condenações brasileiras está nos artigos 359-L e 359-M do Código Penal, que tratam de crimes contra o Estado Democrático de Direito, criados pela Lei nº 14.197/2021, sancionada no fim do governo Bolsonaro.  

Esses artigos substituíram o antigo crime de “subversão da ordem”, previsto na Lei de Segurança Nacional, e definem como golpe de Estado qualquer tentativa de “impedir, com violência ou grave ameaça, o exercício dos poderes constitucionais”. 

Já nos Estados Unidos, a legislação aplicada é mais antiga e consolidada. O 18 U.S. Code § 1361, por exemplo, pune danos à propriedade federal com até 10 anos de prisão; e o § 1512, que trata da obstrução de processo oficial (o dispositivo mais usado contra os invasores do Capitólio), prevê penas proporcionais ao grau de envolvimento. O conceito de “conspiração sediciosa”, utilizado contra líderes, remonta ao século XIX, mas foi reinterpretado após os ataques de 11 de setembro, para incluir atos de insurreição contra instituições federais. 

As diferenças também aparecem na forma como cada país interpretou a depredação de bens públicos. Nos Estados Unidos, o dano ao patrimônio federal é um crime comum, e não político, julgado com base em provas materiais e sem qualificações ideológicas. No Brasil, o mesmo ato foi considerado um ato político, pois fazia parte de uma tentativa de “subverter a ordem democrática”. Por aqui, a interpretação dos crimes ampliou o alcance penal dos crimes mesmo para réus sem participação direta na destruição dos prédios. 

Enquanto o sistema americano privilegiou a individualização da culpa, o brasileiro adotou uma lógica coletiva, na qual o contexto dos atos pesou mais do que as ações específicas de cada réu. O modelo brasileiro aproximou-se do que se chama de “responsabilidade difusa”, em que a simples presença em um evento é suficiente para caracterizar participação em um crime de massa. 

Nos Estados Unidos, essa abordagem seria impensável. O princípio da responsabilidade individual é um pilar da jurisprudência americana. Cada acusado deve ser julgado pelo que fez, não pelo que outros fizeram no mesmo evento. Essa diferença conceitual reflete tradições jurídicas opostas: o common law, que valoriza precedentes e provas materiais, e o civil law, que confere maior poder interpretativo ao juiz. 

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