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a chance do Brasil na disputa China-EUA

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Turbinas eólicas, veículos elétricos e mísseis guiados dependem de terras raras, os minerais estratégicos mais valiosos do planeta. Dono da segunda maior reserva mundial, o Brasil se tornou peça central na disputa entre China e EUA por esses recursos. O país detém um poder de barganha inédito, mas sem uma política industrial clara, corre o risco de repetir o erro histórico de exportar matéria-prima bruta enquanto a China, que já domina 90% do refino global, avança para controlar também a extração em solo brasileiro.

A corrida global pelos minerais do futuro

A demanda global por terras raras deve crescer sete vezes até 2040, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), impulsionada pela transição energética e pela corrida tecnológica. Quem controla o fornecimento desses minerais define quem lidera a nova economia. Quem os processa e industrializa captura os lucros.

  • Sem política clara, Brasil cede controle de negócios estratégicos à China

  • China e Estados Unidos lideram a demanda mundial por terras raras.

    Terras raras: por que a “cartada” de Haddad contra o tarifaço pode fracassar

O Brasil tem todos os ingredientes para ser protagonista: recursos abundantes, matriz energética limpa, estabilidade democrática e depósitos de alta qualidade em Minas Gerais. Mas a janela de oportunidade é estreita.

Sem uma política industrial coordenada que agregue valor localmente, o país corre o risco de repetir o erro colonial de exportar riqueza bruta enquanto outros capturam os lucros da industrialização, aponta Alexandre Uehara, professor de relações internacionais da ESPM.

O monopólio chinês: uma lição de estratégia

A China não conquistou o domínio sobre terras raras por acaso. Foi resultado de políticas de Estado de longo prazo, como o Made in China 2025 e o 14.º Plano Quinquenal (2021-2025), desenhadas para garantir os insumos necessários ao avanço tecnológico do país.

Controle da cadeia produtiva

Os números revelam a extensão desse controle: empresas chinesas dominam cerca de 60% da extração global de terras raras e quase 90% do refino. Constantin Caranopolis, executivo com 30 anos na indústria, explica que a China progrediu no processamento desses materiais ao criar um ecossistema que integra academia, universidades e instituições governamentais, todos voltados para desenvolver tecnologias e formar engenheiros e cientistas para o setor.

O monopólio permite a Pequim usar os minerais como instrumento de pressão geoeconômica. A China já impôs restrições à exportação de sete minerais essenciais para os Estados Unidos. Elementos pesados, cruciais para a indústria de defesa, permanecem sob forte controle chinês.

O professor Fernando Gomes Landgraf, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), alerta para as implicações militares dessa dependência. “O que aconteceria se a China decidisse cortar o fornecimento de ímãs essenciais para aeronaves de guerra americanas?”, questiona.

A resposta global é clara: países buscam urgentemente diversificar suas cadeias de suprimento para garantir resiliência e segurança. Isso eleva o Brasil a candidato natural para suprir parte dessa demanda.

A estratégia chinesa no Brasil

A abordagem chinesa no Brasil segue a lógica do jogo de Go: cercar o adversário e ocupar posições-chave com perspectiva de décadas. Os números comprovam a estratégia. O investimento geral chinês no país cresceu 113% em 2024, atingindo US$ 4,18 bilhões, tornando o Brasil o terceiro maior destino global do capital de Pequim, de acordo com o Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC).

Ocupação de setores estratégicos

O aumento ocorreu justamente quando investimentos chineses recuaram em outros mercados. Nos Estados Unidos, os aportes caíram 11% em 2024. Na Austrália, a queda foi de 41%. O Brasil se tornou atrativo porque a China está redirecionando capital para evitar a hostilidade regulatória desses mercados.

O perfil dos investimentos mudou. O valor médio dos projetos diminuiu, mas o número de empreendimentos aumentou, com foco em iniciativas de alto valor estratégico nos setores de energia elétrica, petróleo e minerais críticos.

A China busca controlar toda a cadeia produtiva. Em mineração, o capital chinês avança sobre nióbio, tântalo, estanho e, mais recentemente, lítio. A BYD, gigante de veículos elétricos, adquiriu direitos minerários sobre dois lotes ricos em lítio no Vale do Jequitinhonha (MG) em 2023. A compra de ativos de níquel da Anglo American pela chinesa MMG em 2025 reforça a integração entre mineração e montagem de veículos elétricos.

Pequim também consolida influência sobre a logística de escoamento. A estatal Cofco International arrematou a concessão do terminal STS-11 no Porto de Santos (SP). A China Merchants Port (CMPort) adquiriu o controle do Terminal de Contêineres de Paranaguá (PR) e manifestou interesse em terminais petroleiros. Esse controle logístico confere à China alavancas de influência geopolítica e econômica.

Empresas chinesas, muitas estatais, têm vantagem estrutural: operam com gestão centralizada, o que permite absorver prejuízos no curto prazo em busca de metas estratégicas de longo prazo. Essa determinação supera a de empresas ocidentais, pressionadas por resultados trimestrais de acionistas.

A resposta americana: segurança nacional e friendshoring

Do lado americano, o interesse em minerais estratégicos brasileiros está diretamente ligado à segurança nacional e à necessidade de diversificação. A urgência é motivada pela dependência chinesa em tecnologias de defesa.

O Brasil é alvo natural para a estratégia de friendshoring — fortalecimento de parcerias com aliados democráticos e confiáveis. Um executivo da australiana Liberty Metals, que adquiriu projetos de terras raras no Brasil, afirmou à CNN Brasil que a transação está cada vez mais alinhada à estratégia dos Estados Unidos para minerais críticos, voltada a fortalecer cadeias de fornecimento seguras e transparentes.

A pressão política é real. O senador republicano Tom Cotton incluiu pedido de investigação no projeto de lei do orçamento dos órgãos de inteligência dos EUA sobre a expansão chinesa no agronegócio brasileiro. Isso sublinha que o tema dos minerais críticos transcende a economia e se insere na disputa geopolítica global.

O diálogo entre o presidente Lula e Donald Trump já utiliza a questão dos minerais críticos como moeda de troca nas negociações sobre tarifas comerciais. Volnei Eyng, CEO da gestora Multiplike, observa o alinhamento de interesses: “Os Estados Unidos têm interesse nas terras raras do Brasil, no café e em outros produtos que impactam a inflação americana. Já o Brasil tem o mesmo interesse em eliminar as tarifas”.

A diplomacia americana acompanha de perto a aproximação sino-brasileira, demonstrando que o Brasil é peça valiosa nesse tabuleiro.

O trunfo brasileiro: vantagens geológicas e ambientais

O Brasil tem vantagens geológicas que vão além do volume de reservas. Os depósitos de terras raras em argilas iônicas, especialmente em Poços de Caldas (MG), são considerados os melhores do mundo para exploração. Esses depósitos oferecem vantagens decisivas sobre as reservas em rocha dura, mais comuns.

Viabilidade econômica e sustentabilidade das terras raras

A viabilidade econômica é superior. O processo de extração e separação é mais simples e exige menos reagentes químicos, reduzindo custos operacionais. O custo operacional pode ser de apenas US$ 8,8 por quilo de óxido de terras raras, tornando esses projetos viáveis mesmo em cenários de preços baixos.

A sustentabilidade ambiental também é diferencial. Os projetos podem operar com menor impacto ambiental e sem a necessidade de grandes barragens de rejeito. José Marques Braga Júnior, diretor executivo da mineradora Viridis, destaca que o projeto Colossus da empresa, em Minas Gerais, não tem barragem nem pilhas definitivas de rejeito, representando avanço tecnológico significativo.

Essas características tornam os projetos brasileiros altamente atrativos para China e Estados Unidos. Contudo, o país enfrenta um obstáculo histórico: a falta de agregação de valor local.

O gargalo da industrialização das terras raras: o risco de exportar riqueza bruta

O Brasil ainda não tem plantas industriais para separação química dos elementos de terras raras. Sem processamento local, o país se limita a exportar compostos mistos, que têm valor de mercado bem menor que o produto refinado.

Enquanto o concentrado misto pode valer US$ 10 por quilo, os óxidos separados alcançam de US$ 50 a US$ 200 por quilo, dependendo do elemento. Ímãs permanentes de alta performance, o produto da cadeia, podem valer milhares de dólares por quilo.

O Brasil precisa avançar da extração para o processamento e a fabricação de ligas e ímãs. Constantin Caranopolis, engenheiro e consultor na Strategic Materials Advice, enfatizou em evento do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) que a estratégia brasileira deve ir para o próximo nível, “onde se captura valor adicional e se criam mais empregos para os brasileiros”.

A tecnologia de separação é o principal gargalo. O processo é complexo, exige expertise química avançada e investimentos significativos. A China dominou essa tecnologia ao longo de décadas de investimento coordenado entre governo, universidades e indústria.

Soberania sobre terras raras exige política de Estado

O principal desafio para o Brasil é deixar de ser um país de excepcional dotação geológica — apenas ter a riqueza — para se tornar um país com vocação mineral — usar a riqueza para desenvolvimento nacional. Isso requer política de Estado, destaca o Ibram.

A urgência da Política Nacional de Minerais Críticos

A falta de uma política nacional clara e coordenada para minerais críticos tem permitido que setores vitais passem ao controle estrangeiro. Sem regras definidas sobre quais setores comprometem a autonomia econômica, as negociações se tornam desequilibradas com nações que operam com planejamento centralizado.

A proposta de criar uma Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos (PNMCE), em tramitação no Congresso (PL 2780/2024), é vista como passo essencial. Essa política poderia dar rumo, segurança jurídica e coordenação necessárias ao setor.

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) defende que a PNMCE deve coordenar todas as iniciativas em andamento e definir prioridades de investimento em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação. O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, determinou a criação de uma comissão especial para discutir o assunto.

A insegurança jurídica e a lentidão dos trâmites desestimulam investimentos. Obter todas as autorizações para um projeto de mineração pode levar até 16 anos no Brasil, lembra Adalberto Junqueira, gestor da unidade de negócios da Tractebel Brasil, Chile e Canadá.

O Ibram ressalta que o processo de licenciamento ambiental, embora necessário para garantir salvaguardas socioambientais, é gargalo que precisa ser modernizado e desburocratizado.

A falta de investimento em tecnologia em terras raras

Para competir com a China, o Brasil precisa investir maciçamente em tecnologia e capital humano. O país investe significativamente menos em pesquisa mineral que os líderes globais. O orçamento do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), unidade de pesquisa do MCTI voltada ao desenvolvimento de tecnologias para o uso sustentável dos recursos minerais brasileiros, equivale a apenas 2,5% do disponível em órgão equivalente nos Estados Unidos e a apenas 1,4% da verba no Japão.

Silvia França, diretora do Cetem, afirmou em evento do Ibram que, para competir globalmente, o Brasil deve elevar os investimentos da casa dos milhões para as centenas de milhões.

A dependência tecnológica se manifesta no processamento. O setor precisa de financiamento de longo prazo.

O governo, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), sinalizou apoio com o lançamento de uma chamada de R$ 5 bilhões para projetos de transformação de minerais estratégicos. Contudo, a demanda do setor privado somou R$ 85 bilhões, evidenciando o fosso entre o recurso disponível e a necessidade real.

As vantagens competitivas do Brasil

China e Estados Unidos buscam fornecedor que ofereça não apenas volume, mas também sustentabilidade e transparência. O Brasil tem vantagens comparativas que podem ser exploradas.

  • Matriz energética limpa: A matriz elétrica brasileira é mais de 80% renovável, o que pode garantir uma mineração com menor pegada de carbono, um diferencial para mercados como a União Europeia.
  • Sustentabilidade e rastreabilidade: A robusta legislação ambiental brasileira, aliada a uma infraestrutura digital de rastreabilidade, pode consolidar uma marca global de confiabilidade.
  • Neutralidade geopolítica: A boa relação do Brasil com diferentes blocos (OCDE, BRICS, Mercosul) é um ativo estratégico que permite ao país liderar a formação de cadeias de suprimento mais estáveis.

O que o Brasil precisa fazer: um plano de ação para as terras raras

Para que o Brasil maximize sua posição estratégica na disputa por terras raras e outros minerais críticos, o país precisa de um plano de ação imediato que vá além da retórica. A resposta deve ser técnica e pragmática, focando em competitividade e eficiência.

  • Criar infraestrutura de processamento e fabricação: Projetos como a parceria entre a australiana Viridis e a Ionic Rare Earths para construir a primeira fábrica de óxidos de terras raras na América do Sul e o projeto Magbras (para produzir ímãs permanentes em Minas Gerais) mostram o caminho. A tecnologia para separação é o gargalo, e o Cetem tem projetos em curso para nacionalizar esse processo.
  • Coordenar desenvolvimento mineral com infraestrutura: A mineração demanda novas linhas de transmissão. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) projeta que o Brasil precisará de 1 milhão de toneladas de alumínio e aço apenas para a construção das estruturas de transmissão necessárias até 2034.
  • Fomentar o desenvolvimento regional: Investimentos privados precisam se conectar com desenvolvimento social, como exemplificado por projetos no Vale do Lítio (MG) que envolvem o custeio de estudos para segurança de barragens e o desenvolvimento de infraestrutura compartilhada.
  • Investir em mineração urbana e reciclagem: O Brasil exporta resíduos que contêm elementos valiosos a preço de sucata. O avanço no reaproveitamento de resíduos de estanho para produção de terras raras pesadas pela Mineração Taboca demonstra a viabilidade de buscar valor em ativos já explorados.

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