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As consequências da queda na taxa de natalidade no Brasil

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Faltam bebês nos Estados Unidos – e no mundo.

O secretário de saúde americano Robert F. Kennedy Jr. declarou em 16 de outubro que o declínio da taxa de natalidade nos EUA é uma “ameaça à segurança nacional”. Kennedy falou à imprensa depois do presidente Donald Trump anunciar que seu governo iria reduzir os custos dos medicamentos para fertilidade.

“Quando meu tio era presidente, a taxa de fecundidade neste país era de 3,5%. Hoje é de 1,6%.” Na verdade, ele quis falar sobre a taxa de reposição — ou seja, o número médio de filhos por mulher necessário para manter a população estável. Segundo ele, essa taxa agora está em 2,1. “Estamos abaixo da reposição. Isso é uma ameaça à segurança nacional do nosso país”, disse o secretário, que é sobrinho do ex-presidente dos Estados Unidos John F. Kennedy (JFK).

As taxas de fertilidade viraram uma preocupação mundial e passaram a ser uma das prioridades do governo Trump. Segundo dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), a taxa de fecundidade dos Estados Unidos atingiu em 2024 o nível mais baixo já registrado, após anos de queda contínua. “O presidente Trump está abordando as causas raiz”, afirmou Kennedy. 

Outro nome que costuma se manifestar sobre o tema é o bilionário Elon Musk. Em abril deste ano, o empresário publicou na rede social X um alerta sobre o que considera o maior risco para o futuro da humanidade: “Baixas taxas de natalidade acabarão com a civilização.”

A mensagem veio acompanhada de dados que mostram o declínio das taxas de fertilidade nos Estados Unidos, que em 2023 atingiram o nível mais baixo já registrado — apenas 54,5 nascimentos por mil mulheres, menos da metade do pico observado em 1957. 

Humanidade em extinção? 

A taxa de fecundidade — número médio de filhos por mulher — vem caindo em ritmo acelerado no mundo inteiro, e o fenômeno já preocupa demógrafos, economistas e gestores públicos.  

Em 1950, a média global era de 4,7 filhos por mulher. Hoje, segundo a ONU, o índice é de 2,3, e tende a chegar a 2,1 ou menos até 2050, abaixo do nível de reposição populacional. Em países da Europa, como Itália (1,2), Espanha (1,3) e Portugal (1,4), a situação já se tornou estrutural: o número de nascimentos é insuficiente para manter o tamanho da população. Nos Estados Unidos, o índice caiu para 1,6 em 2024, o menor desde 1979. 

O Brasil acompanha essa tendência. De acordo com o IBGE, a taxa de fecundidade nacional é hoje de 1,57 filho por mulher, e o país já deve começar a perder população por volta de 2040.  Os dados das Nações Unidas mostram que, até o começo da década de 80, o índice do Brasil estava acima da média global. Desde então, tem ficado consistentemente abaixo.

Pesquisas do Centro de Pesquisa de Política Econômica dos Estados Unidos apontam que a baixa natalidade pode gerar efeitos econômicos de longo prazo, como estagnação e perda de capacidade de inovação. 

Como a falta de bebês impacta a sociedade? 

Longe de ser apenas um dado demográfico, a queda da natalidade é um problema civilizacional com consequências econômicas e sociais. 

O principal risco do declínio populacional é o envelhecimento acelerado da sociedade que compromete o equilíbrio entre a população ativa e os aposentados. Se não nascem pessoas, não há quem trabalhe, quem sustente a previdência e quem mantenha o consumo. As economias vão envelhecendo, as aposentadorias ficam insustentáveis e os sistemas de saúde entram em colapso. 

No estudo O Fim do Crescimento Econômico? Consequências Não Intencionais de uma População em Declínio, publicado em 2020 pelo National Bureau of Economic Research, é destacado que para a economia crescer, a população deve se manter constante ou crescente. Com menos pessoas jovens entrando no mercado, haverá menos potenciais pesquisadores, inovadores e trabalhadores — o que pode resultar em estagnação da produtividade e do padrão de vida. 

A queda da natalidade é cumulativa. Países como Japão e Itália já enfrentam há anos escassez de mão de obra, fechamento de escolas e vilas inteiras abandonadas. No Japão, o declínio da fertilidade começou nos anos 1970 e se agravou a partir da década de 1990, quando a escassez de jovens começou a afetar indústrias inteiras. Com uma taxa de apenas 1,3 filho por mulher, o país viu sua população envelhecer rapidamente — quase 30% dos japoneses têm mais de 65 anos. 

Outro risco associado à queda da natalidade e ao envelhecimento populacional refere‑se à sobrecarga dos sistemas públicos e previdenciários. No relatório Encolhendo de Forma Inteligente e Sustentável da Organisation for Economic Co‑operation and Development (OECD), é apontado que “em 2021 havia cerca de 13 pessoas em idade ativa (15‑64 anos) para cada pessoa com mais de 80 anos nos países da OCDE. Até 2040 haverá apenas sete.”

Isso significa que cada trabalhador nesses países afetados terá que sustentar mais idosos, elevando os encargos fiscais, os custos com saúde e cuidados de longo prazo, e exigindo reformas nos sistemas de pensões. 

O mesmo relatório aponta que nessas regiões com menos cidadãos em idade produtiva, escolas, hospitais e transporte ficam subutilizados, a infraestrutura se torna dispendiosa por pessoa atendida e comunidades inteiras vão entrando em colapso econômico e social. 

A OECD alerta que a população em idade ativa nos países membros cairá de cerca de 64% em 2022 para 60% em 2050, o que reduz consumo, investimento e receita tributária. Essa contração da base de contribuintes pressiona o aumento de impostos, a redução de serviços ou ambos, e ameaça a competitividade global de economias que antes dependiam de crescimento populacional para sustentar suas ambições. 

Além da dimensão econômica, há o impacto cultural e social. Quando as famílias têm poucos ou nenhum filho, há uma ruptura geracional. Perde-se a transmissão de valores, tradições e vínculos comunitários. Isso afeta o tecido social de modo profundo e duradouro. 

“No Brasil, o tema simplesmente não existe no debate político” 

Entre os que chamam atenção para o tema está Rodolfo Canônico, diretor-executivo da ONG Family Talks, organização que promove o debate sobre fortalecimento familiar. Ele alerta que não há preocupação real com o tema no Congresso Nacional. “Não tem preocupação alguma. Não existe nenhuma discussão acontecendo”, critica.

Segundo ele, poucos parlamentares compreendem a gravidade do problema. “A maior parte tem uma mentalidade antiquada, que celebra os frutos de políticas de controle da natalidade. Acham que a queda de nascimentos é boa porque reduziria a pobreza, o que é uma visão completamente equivocada”.  

Ainda há uma concepção preconceituosa de que uma grande quantidade de filhos empobrece a família ou que deveria ser proibido que pobres tivessem mais filhos. No entanto, a queda da natalidade é que deve empobrecer o país.

Na avaliação dele, a ausência de políticas públicas estruturadas agrava o quadro. “Não há um só projeto de lei no Congresso voltado diretamente para incentivar a natalidade”, observa. “O máximo que existe são propostas colaterais, como a prorrogação da licença-paternidade para 30 dias, que pode ajudar, porque estudos mostram que homens mais presentes na criação dos filhos contribuem para que as mulheres se sintam seguras para ter mais crianças. Mas nem isso é debatido sob essa perspectiva”, expõe. 

Canônico criticou o fato de o debate político ainda se concentrar apenas nos possíveis custos para as empresas. Ele destacou que se ignora que um colapso populacional teria consequências econômicas muito mais graves, como as já citadas acima. Segundo ele, isso revela uma omissão quase total do Legislativo sobre o tema.

Tentativas internacionais: um problema sem solução simples 

O fenômeno da queda da natalidade é global, e nenhum país encontrou uma fórmula realmente eficaz para revertê-lo, avalia o diretor da Family Talks. “Praticamente nenhum país conseguiu inverter a tendência. A Hungria teve resultados pontuais, a Polônia tentou outras abordagens, e os países escandinavos apenas reduziram o ritmo de queda. Mas não há caso de sucesso duradouro”, avalia. 

Há, por exemplo, a estratégia da Itália, que possui uma das menores taxas de natalidade do mundo. O Instituto Nacional de Seguridade Social da Itália passou a oferecer um subsídio isento de impostos de 1.000 euros (cerca de R$ 6.210) por cada filho nascido ou adotado em 2025. E o valor do programa deve aumentar nos próximos anos. O orçamento destinado ao “bônus bebê” é de 330 milhões de euros para 2025, com planos de aumento para 360 milhões de euros em 2026. 

Mas nem isso fez a taxa de natalidade subir. Segundo Canônico, melhorou a qualidade de vida das famílias e reduziu a pobreza infantil, mas não resolveu o problema demográfico. A explicação, segundo ele, está na natureza do problema: “As políticas públicas foram muito eficazes para reduzir a natalidade com a disponibilização dos métodos contraceptivos, mas não têm o mesmo poder para aumentá-la”. Segundo ele, existe uma assimetria. É fácil fazer a população ter menos filhos, mas muito difícil fazê-la ter mais. 

Em diversos países, incluindo o Brasil, parece não haver vontade política consistente para enfrentar a questão da queda da natalidade. Embora alguns governos demonstrem interesse, a maior parte não manifesta preocupação. O mundo parece caminhar para o declínio demográfico sem uma resposta concreta. 

Caminhos possíveis: proteger mães e envolver pais 

Apesar do cenário desanimador, Rodolfo Canônico aponta duas medidas fundamentais que já mostraram resultados em alguns países: proteger a maternidade no mercado de trabalho e estimular a presença dos pais na criação dos filhos. 

Segundo ele, há uma correlação observada em praticamente todo o mundo: conforme aumenta a escolaridade das mulheres, tende a diminuir o número de filhos que elas têm. No entanto, alguns países conseguiram reverter essa tendência. “Há países em que, pela primeira vez, observou-se que as mulheres com maior escolaridade são as que têm mais filhos”, destaca Canônico. 

Essa mudança ocorreu em locais onde a maternidade é protegida e o papel do pai na família é valorizado. Isso demonstra que é possível conciliar carreira e filhos quando o ambiente social é favorável. No Brasil, porém, a realidade é diferente: “metade das mulheres perde o emprego ao retornar da licença-maternidade”, afirma. Diante desse cenário, muitas acabam optando por não ter filhos para não comprometer a estabilidade financeira. 

O segundo ponto, enfatiza Canônico, é o envolvimento paterno. Quando o pai participa de forma ativa nos cuidados com os filhos, a mulher se sente mais segura para aumentar a família. “Promover o envolvimento dos pais cria um ambiente familiar mais propício para acolher filhos”, explica. 

Exemplos internacionais confirmam essa tendência. Um estudo publicado em 2022 no European Journal of Population mostra que, na China, cada ano adicional de escolaridade feminina — impulsionado pela expansão do ensino superior — aumentou o número médio de filhos por mulher em cerca de 10%.

Outro estudo, divulgado em 2021 no mesmo periódico, revela que, em regiões europeias mais desenvolvidas, a diferença na fertilidade entre mulheres com alta e média escolaridade diminui significativamente, chegando a quase desaparecer. 

Para o diretor da Family Talks, o Brasil poderia se inspirar nessas experiências, já que são as únicas estratégias que, até agora, demonstraram algum sucesso em reverter o declínio da natalidade. 

Política de “filho único” e o esforço da fertilidade chinesa 

Com início em1979, a política do filho único na China, provocou impactos na sociedade chinesa muito difíceis de reverter. Com a autorização gradual — primeiro para dois filhos em 2016 e depois para até três filhos em 2021 — o governo da China se esforça para mudar a cultura de família pequena. Mesmo levantando as restrições, os índices de natalidade continuam em queda. Apenas mudanças legislativas não estão sendo suficientes. 

Por esse motivo, uma das iniciativas mais recentes é o subsídio nacional para cuidados infantis anunciado em julho de 2025, no valor de 3.600 yuans (R$ 2.400) por ano para cada criança de até três anos de idade. O programa pretende beneficiar mais de 20 milhões de famílias de bebês e crianças pequenas.  

Apesar dessa medida de apoio direto — além do orçamento de 90 bilhões de yuans em subsídios infantis para 2025 anunciado pelo Ministério das Finanças da China — permanece o problema cultural. Com o custo de vida elevado, restrição religiosa (que impede a abertura à vida), prioridades profissionais e desigualdades regionais, ainda há muita dificuldade para que essas políticas de fertilidade surtam efeito no país.

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