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Como Nova York elegeu um prefeito socialista

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Manhattan não é apenas o epicentro do capitalismo financeiro mundial. É uma máquina que gera US$ 10 bilhões anuais em receita para a cidade de Nova York — cerca de 40% do orçamento municipal vem dos impostos pagos pelo 1% mais rico da população.

Mas o lugar que simboliza a livre iniciativa e a acumulação de fortunas está prestes a se tornar a cobaia de um experimento socialista — graças à radicalização de parte do eleitorado e à desunião dos dois nomes mais moderados na disputa.

Zohran Mamdani, o novo prefeito eleito na terça-feira (4), promete congelar aluguéis, criar supermercados estatais e oferecer, gratuitamente, creches, vagas no ensino superior e transporte público universal. Propostas nobres, é claro, mas que precisariam de cerca de US$ 10 bilhões, todos os anos, para sair do papel.

E como Mamdani — que venceu com uma vantagem de 9 pontos percentuais sobre o segundo candidato mais votado — pretende financiar esses serviços? Por meio do que a própria esquerda tem chamado de “extratividade fiscal”. Ou seja, elevando a carga tributária da “elite econômica” (na prática, do setor produtivo) para um patamar de 16,8%.

O aumento, de cerca de 2%, tornaria o imposto de renda de Nova York o mais alto do país (se combinado com as alíquotas estaduais e nacionais). E, segundo a oposição, colocaria a cidade em situação de vulnerabilidade financeira — pois a fuga de capitais investimentos seria certa e acelerada.

Além disso, estudos apontam que a participação do município no total de milionários do país caiu 31% entre 2010 e 2022. E o mais preocupante: think tanks liberais influentes, como Cato, Fraser e Manhattan, questionam se Mamdani será capaz de bancar sua agenda com US$ 10 bilhões anuais (um valor, segundo esses institutos, ilusório e insustentável).

Mas quem é Zohran Mamdani?

Zohran Kwame Mamdani nasceu em 1990, na cidade de Kampala, em Uganda. Ele é filho da cineasta indiana Mira Nair (indicada ao Oscar por Salaam Bombay!) e do acadêmico ugandense Mahmood Mamdani, professor da Universidade de Colúmbia conhecido por ser um defensor da causa “anticolonial”.

Seu nome do meio homenageia Kwame Nkrumah (1909-1962), ex-presidente de Gana festejado pela militância marxista — um detalhe que sinaliza a inclinação ideológica familiar.

Criado entre Uganda, a Índia e o Upper West Side de Manhattan (região conhecida por sediar museus, restaurantes sofisticados e moradias de alto padrão), o político tentou a carreira artística antes de optar pela vida pública.

Ele gravou músicas de hip-hop e chegou a trabalhar em filmes da mãe (como assistente de direção e supervisor de trilha sonora), mas foi durante a faculdade que seu lado ativista aflorou.

Mamdani cursou Estudos Africanos na Bowdoin College, uma universidade de artes no estado do Maine, onde se envolveu com organizações políticas — incluindo um coletivo intitulado Estudantes pela Justiça na Palestina.

Em seus discursos, no entanto, o político costuma contar que despertou para as causas sociais ainda na infância, por ser um muçulmano em Nova York.

“Crescendo à sombra do 11 de Setembro, jamais esquecerei o desprezo que enfrentei. De como meu nome era instantaneamente transformado em ‘Mohammed’ e de como me perguntavam se eu tinha planos de atacar a cidade”, disse, em outubro, durante um comício realizado na frente de uma mesquita.

Apoio a movimentos armados

Em 2014, recém-formado, Zohran Mamdani atuou como conselheiro habitacional em bairros pobres novaiorquinos. Sua função era orientar imigrantes em questões relativas a dívidas e ordens de despejo.

Nessa mesma época, ele mergulhou para valer na política, associando-se ao DSA (Democratic Socialists of America) — a maior organização socialista dos Estados Unidos, com mais de 90 mil membros. O grupo opera dentro do Partido Democrata, porém mantém o que chama de “independência organizacional”.

Isso significa que o DSA costuma desafiar orientações da própria legenda e, muitas vezes, defender pautas consideradas extremas — como cortes drásticos no orçamento militar e a legitimação de movimentos armados de libertação nacional (especialmente na Palestina).

Nos anos seguintes, Mamdani ganhou experiência coordenando campanhas de outros socialistas até conquistar, em 2020, a própria vitória como candidato. Elegeu-se para a Assembleia Estadual, derrotando a democrata Aravella Simotas com um discurso baseado em conceitos como justiça social e reforma policial.

Naturalmente, o radicalismo do novo prefeito gera críticas dentro do próprio partido. O senador democrata John Fetterman, da Pensilvânia, afirmou à emissora Fox News que Mamdani “não representa os democratas” e o socialismo “certamente não é o futuro” da legenda.

Segundo Fetterman, Mamdani é apenas “uma voz de Nova York”, a expressão de um eleitorado muito à esquerda e “pouco relevante para o restante do país”.

A esquerda caviar deles

Por pertencer à elite cultural e intelectual, e não à empresarial ou financeira, Zohran Mamdani se encaixaria no que se convencionou chamar de “esquerda caviar” entre os brasileiros.

Nesse sentido, o analista conservador Rob Henderson, ligado ao Manhattan Institute, caracterizou a campanha dos democratas neste ano como “um caso clássico da influência de ‘crenças de luxo’”.

“Propostas como transporte gratuito, congelamento de aluguéis e supermercados estatais soam bem para quem está protegido das implicações”, afirma, referindo-se ao bom desempenho do democrata entre eleitores com mais escolaridade.

“São ideias progressistas mais populares entre aqueles que não precisam lidar diretamente com suas consequências”, completa Henderson, que escreveu sobre Mamdani em um artigo publicado no site City Journal.

Mais estrangeiros, menos conservadores

O sucesso de Zohran Mamdani, no entanto, não representa um endosso em massa ao socialismo — e sim o resultado de uma convergência de fatores conjunturais e estratégicos.

Começando pelo perfil atual da população de Nova York, mais diversa e jovem. Cerca de 37% dos habitantes nasceram no exterior, enquanto famílias das classes média e alta, tradicionalmente conservadoras, deixaram a cidade.

Fontes oficiais também registram uma recente onda de naturalizações que, segundo os analistas, ampliou o eleitorado progressista. Fluente em vários idiomas, Mamdani falou diretamente para essas comunidades.

O sistema de votação por escolha ranqueada (ranked choice voting), que permite ao eleitor classificar candidatos por ordem de preferência, foi outro fator decisivo — pois favoreceu a coalizão de Mamdani com partidos menores, sindicatos e outros grupos alinhados à esquerda. Esse modelo costuma beneficiar candidatos com bases fiéis e capazes de atrair segundas e terceiras preferências.

Houve ainda a fragmentação da oposição, dividida entre o ex-governador democrata Andrew Cuomo (que insistiu em concorrer como independente após perder as primárias no partido) e o republicano Curtis Sliwa. Ambos disputaram o mesmo eleitorado moderado e conservador, abrindo caminho para a vitória de Zohran Mamdani em uma eleição sem segundo turno.

As mudanças demográficas também ajudam a explicar a vitória do socialista.

Segundo uma pesquisa da Patriot Polling, Andrew Cuomo teria vencido caso apenas pessoas nascidas nos EUA votassem. Nesse grupo, a vantagem do ex-governador era de nove pontos percentuais: 40% a 31%. Mas, entre os que nasceram fora dos Estados Unidos (e que depois obtiveram a cidadania), Mamdani tinha 62% das intenções de voto contra 24% de Cuomo.

Novo Obama ou “presente” para Trump?

Para parte dos analistas políticos, a ascensão de Zohran Mamdani foi impulsionada por um fenômeno chamado de “Efeito Obama” — a capacidade de um candidato de mobilizar os jovens e empolgar os eleitores apáticos, transformando a política em um movimento cultural.

Para analistas conservadores, no entanto, sua vitória representa exatamente o oposto: um “presente de Natal antecipado” para Donald Trump.

Segundo essa leitura, a guinada à esquerda do Partido Democrata em Nova York reforça o discurso trumpista de que a legenda foi “capturada pelos socialistas” e deixou de representar a classe trabalhadora americana.

Com seu estilo característico, o presidente chama Mamdani de “lunático comunista de Wall Street” e “o homem que quer cobrar imposto até do ar que você respira”. E, de olho nas eleições de meio de mandato, em 2026, já prometeu: “Vamos fazer Nova York grande de novo, mesmo que isso signifique salvá-la de seus próprios eleitores”.

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