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A vida medicada da nova geração

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Quando se pensa no consumo de substâncias entre os jovens, quase sempre vêm à mente drogas associadas a festas (como cocaína ou metanfetaminas), ou a maconha, hoje mais socialmente aceita e é de uso recreativo.

No entanto, embora a maconha continue sendo a droga mais consumida, ansiolíticos e hipnossedativos (AHS) alcançaram níveis próximos — chegando até a superá-la entre as moças.

Entre os rapazes, alguns estudos indicam crescimento no uso de esteroides anabolizantes, medicamentos originalmente aprovados para tratar transtornos hormonais, mas que são utilizados principalmente para aumentar a massa muscular.

Essas tendências sinalizam uma crescente — e preocupante — “medicalização” da vida cotidiana da juventude.

Os dados mais alarmantes envolvem os AHS. O aumento do consumo na última década e sua maior prevalência entre mulheres são fenômenos internacionais, visíveis especialmente em países ocidentais, ocorrendo em paralelo à deterioração da saúde mental entre os jovens.

Aos 18 anos, quase um quarto das moças relatou ter usado AHS nos últimos 12 meses, contra 12% dos rapazes.

Na Espanha, um dos países com maior taxa de consumo, o relatório Estudes — Pesquisa sobre o uso de drogas no ensino secundário — mostra que 13% dos jovens entre 14 e 18 anos consumiram AHS no último ano.

A diferença entre os sexos é evidente já na adolescência e aumenta com a idade: aos 18 anos, 23% das moças tomaram o medicamento, contra 12% dos rapazes; uma em cada seis moças usou o remédio no último mês.

Para efeito de comparação, essa prevalência é apenas um pouco inferior à da maconha entre os rapazes da mesma idade e claramente superior à das moças. Além disso, o consumo sem receita médica é mais frequente entre elas.

A disparidade por sexo já aparecia na primeira edição do Estudes, no final do século 20, mas se intensificou especialmente entre 2006 e 2012 e, de forma mais abrupta, de 2019 a 2023, períodos marcados pela crise econômica e pela pandemia de covid-19.

Isso sugere um risco maior de consumo feminino em momentos de vulnerabilidade social. Em 2025, houve uma queda na prevalência, mais significativa entre as mulheres.

Machismo farmacológico?

Alguns estudos atribuem a diferença de gênero não apenas ao quadro mais frágil de saúde mental das jovens, mas também ao “androcentrismo” da sociedade e dos profissionais de saúde.

Segundo uma pesquisa publicada em 2023 na Revista Española de Salud Pública, a socialização feminina em sociedades patriarcais estimula valores de dependência, enquanto psicólogos e psiquiatras tendem a patologizar e “farmacologizar” o sofrimento feminino mais do que o masculino, para o qual frequentemente se busca uma explicação biológica.

Outra pesquisa, baseada em entrevistas com psicólogos e psiquiatras, aponta que a identidade feminina normativa gera subjetividades adoecedoras, resultando em falta de autonomia, baixa autoestima e sentimentos de culpa na gestão das relações cotidianas.

Além disso, o diagnóstico de um transtorno proporciona certa legitimação a um sofrimento que, na maioria dos casos, decorre do pouco reconhecimento social e familiar do trabalho de cuidado e reprodutivo.

Apesar desses argumentos fazerem sentido, é importante notar que a maternidade, segundo alguns estudos, tende a proteger a saúde mental, e não o contrário.

“Discurso terapêutico”

Outros fatores contribuem para o aumento do consumo de AHS: a escassez de psicólogos clínicos, a diminuição das interações presenciais e a popularização do “discurso terapêutico” nas redes sociais.

Filhas de mulheres com baixo nível de escolaridade apresentam maior consumo, geralmente associado à saúde mental da mãe, o que gera padrões de comportamento transmitidos às filhas. Entre os homens, a influência é menor.

Na Espanha, há aproximadamente seis psicólogos clínicos para cada 100 mil habitantes, enquanto a média europeia supera 15. A escassez de profissionais contribui para a sobremedicalização de problemas psicológicos que, em condições ideais, seriam tratados com acompanhamento psicológico.

As redes sociais também desempenham papel importante: criam pressão por padrões físicos e sociais e difundem uma linguagem terapêutica — como “sou dependente emocional” ou “meu caso é TOC” — que patologiza traços de personalidade. Nesse contexto, os AHS oferecem uma solução rápida, especialmente quando o médico não é rigoroso.

A erosão dos laços comunitários, com a diminuição de contatos presenciais, é outro fator relevante. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta que pessoas com menos de 25 anos perderam mais relações cara a cara na última década. Mesmo em igualdade de interações, mulheres tendem a avaliar pior sua saúde física e psicológica.

Compra ilegal pela internet

Em contraste com os AHS, o uso de esteroides anabolizantes — geralmente variações sintéticas da testosterona — é menor, mas crescente. Os usuários típicos são rapazes na faixa dos 20 anos, embora haja consumo significativo após os 40. Entre estudantes do ensino secundário (dados do Estudes), apenas 0,5% consumiu esteroides no último ano, sem diferença relevante entre os sexos.

O consumo de esteroides, antes restrito a atletas de elite e fisiculturistas, tem se popularizado. O aumento da “dismorfia muscular” e dos treinos de resistência pode explicar esse crescimento.

Meta-análises internacionais indicam prevalência de 3,3% entre jovens adultos, com diferença por sexo: 6,7% em homens e 1,6% em mulheres. Esses números tendem a aumentar entre os 20 e 30 anos.

A compra ilegal pela internet torna a questão ainda mais difícil de controlar. Estudos mostram que usuários de esteroides apresentam maior propensão a consumir outras drogas e a desenvolver problemas cardiovasculares, hepáticos e psiquiátricos.

O bombardeio das redes

Embora seja difícil estabelecer correlações, e menos ainda uma relação de causa e efeito, não é descabido associar o uso desses produtos ao aumento entre os jovens da chamada “dismorfia muscular”, mais conhecida como vigorexia: a obsessão patológica por modelar a musculatura, baseada na sensação de que ela “não está à altura”.

Também não é especialmente arriscado supor que neste aumento da vigorexia as redes sociais têm algo — ou muito — a ver, com seu bombardeio de mensagens que promovem esse estilo de vida, quando não diretamente o uso de esteroides.

Segundo o jornal britânico The Guardian, entre 2022 e 2024, e somente nos Estados Unidos, houve mais de 580 milhões de visualizações de vídeos marcados com hashtags desse tipo; 75% delas ocorreram entre usuários de 18 a 24 anos.

Fora do espaço virtual, as academias de ginástica são o epicentro na disseminação dos esteroides. Sempre foram, na verdade. A novidade é que o que antes era comentado apenas em locais especializados para fisiculturistas, agora é falado com naturalidade na academia do bairro.

Algumas pesquisas associam o aumento no consumo de esteroides ao auge dos “treinos de resistência”, que se popularizaram desde a pandemia. Por exemplo, a meta-análise citada anteriormente apontava taxas de prevalência de até 30% entre homens poloneses que eram usuários habituais de academias (um número maior do que o de atletas profissionais pesquisados para esse mesmo estudo).

Outras investigações indicam que o consumo de shakes proteicos — muitas vezes vendidos em pó — atua como porta de entrada para o de esteroides. Em particular, uma delas assinala que tomar regularmente esse tipo de produto durante a adolescência aumenta entre duas e cinco vezes a probabilidade de incorrer no segundo alguns anos mais tarde.

“Desdramatizar”

Como no caso dos hipnossedativos e ansiolíticos, também no aumento dos esteroides não falta uma explicação baseada na teoria de gênero.

Segundo essa tese a obsessão pelo corpo entre os homens é resultado da perda de poder masculino nas sociedades modernas, tanto a nível simbólico quanto real. Isso estaria levando, especialmente os mais jovens, a reforçar os traços tradicionalmente associados à masculinidade.

Não obstante, contra essa teoria, cabe assinalar que, segundo algumas pesquisas, o consumo de esteroides é bem mais alto entre homens gays do que entre os heterossexuais, o que não se encaixa totalmente com a ideia da masculinidade heteronormativa.

Seja como for, a ascensão no consumo de AHS por parte das moças e de esteroides entre os rapazes deixa uma recomendação comum: convém “desmedicalizar” e também desdramatizar a vida cotidiana dos jovens, começando pelas redes sociais.

©2025 Aceprensa. Publicado com permissão. Original em espanhol: Jóvenes “empastillados”: ellas, ansiolíticos; ellos, esteroides

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