A última reunião do ano do diretório nacional do PDT trouxe de volta ao noticiário um personagem que muitos imaginavam não rever tão cedo na vida política: o ex-ministro dos Direitos Humanos Silvio Almeida.
Segundo o presidente do partido, Carlos Lupi, foi apenas uma “visita de cortesia”. Nos bastidores, porém, rumores dão conta de que Almeida vem sendo sondado para se candidatar a deputado federal pela legenda em 2026.
Não deixa de ser irônico o fato de Silvio Almeida retornar à cena justamente ao lado de Lupi, que também deixou o primeiro escalão do governo Lula depois de um escândalo — ele pediu demissão do Ministério da Previdência em meio a investigações sobre fraudes no INSS.
A situação legal de Almeida, no entanto, é mais delicada. Demitido em 2024 após denúncias de assédio contra mulheres, Almeida foi indiciado pela Polícia Federal em novembro deste ano por importunação sexual.
No STF, o caso divide opiniões. Uma apuração do site de cobertura política PlatôBR revela que alguns ministros questionam a existência de provas suficientes contra Almeida, enquanto outros tendem a dar crédito ao relato das vítimas.
A bola agora está com a Procuradoria-Geral da República, que vai decidir se apresenta denúncia formal ou arquiva a investigação.
Carreira de youtuber
Em uma declaração ao jornal Folha de S.Paulo, Silvio Almeida garantiu não ter planos de se filiar ao PDT e tampouco de se lançar candidato. Suas prioridades, segundo ele, são “retomar a vida acadêmica e a trajetória na advocacia”.
Enquanto isso não acontece, o ex-ministro resgata uma faceta que havia abandonado desde sua chegada à Brasília: a de youtuber.
Entre 2020 e 2023, ele compartilhou quase 200 conteúdos, em que emitia opiniões sobre diversos assuntos e entrevistava personalidades da esquerda como Lázaro Ramos, Emicida, Leci Brandão, Leonardo Boff.
De volta ao vídeo há três meses, Almeida agora expõe uma visão de mundo ainda mais extrema do que as ideias pelas quais ficou conhecido.
Também ativo na plataforma de textos Substack, o advogado tem revelado um pensamento político muito além da sua insistente crítica ao suposto “racismo estrutural” — a ideia de que o racismo estaria em toda parte, como um pano de fundo da vida cotidiana.
Em seus artigos e gravações, ele defende revoluções socialistas, condena a austeridade fiscal, compara empresários com criminosos e ataca o Ocidente e o conservadorismo.
A seguir, compilamos algumas das posições do ex-ministro extraídas de sua produção atual — e que mostram como o afastamento do governo radicalizou ainda mais seu discurso de confronto.
Bandido é vítima do sistema
Para Silvio Almeida, quando um traficante mata, rouba ou aterroriza uma comunidade, a culpa não é dele; é do sistema. Na visão do ex-ministro, responsabilizar criminosos por seus atos é ignorar as “verdadeiras causas” do crime: a pobreza e a desigualdade.
E mais: ele afirma que a criminalidade não é um problema a ser combatido, mas uma “parte funcional” da própria sociedade capitalista. “O crime organizado só floresce porque há forças externas desorganizando a vida comunitária: o próprio Estado, muitas vezes as elites econômicas, setores financeiros”.
Quem questionar é racista
Na visão de Almeida, o problema não está em indivíduos racistas, mas na “estrutura” — um conceito vago que pode significar qualquer coisa. A solução? “Reconstruir radicalmente a sociedade” (ou seja, abrir a porta para a implantação do socialismo).
E ai de quem discordar. Todos que pensam diferente dele são acusados de “blindar o racismo” (o que, para o ex-ministro, também é ser racista).
Ele ainda defende que o STF declare a existência de um “estado de coisas inconstitucional” na área racial. Na prática, isso significa dar ao Judiciário amplos podres para intervir diretamente e reorganizar estruturas sociais inteiras — uma medida extrema, raramente adotada em outros países.
Perdão só para quem eu escolher
A crítica de Silvio Almeida à Lei de Anistia de 1979 revela sua seletividade ideológica. Ele rejeita o acordo de conciliação nacional por ter “blindado os agentes do Estado” que cometeram crimes, mas ignora que a mesma medida perdoou grupos armados de esquerda.
Já para os envolvidos no 8 de janeiro de 2023, Almeida não admite sequer a discussão sobre perdão. Usando o Direito como arma política, o ex-ministro afirma que cogitar um golpe é “crime formal ou de consumação antecipada”.
Traduzindo: mesmo que nada tenha acontecido de fato, crime já está completo e merece pena integral.
Estado mínimo = crime
Para o ex-ministro, quem defende Estado mínimo está em “cumplicidade com o crime”.
Segundo ele, quando o governo se ausenta, cria-se um vácuo de poder que funciona como uma verdadeira “carta branca” para a expansão das organizações criminosas. O crime organizado, portanto, é o “lado noturno do capital”.
Silvio Almeida ainda distorce o pensamento de Adam Smith — o pai do liberalismo econômico — para justificar um governo gigantesco que controla a economia de cima a baixo.
“Smith não queria um Estado mínimo tal como hoje se fala de Estado mínimo. Smith queria um Estado moderno diferente do Estado absolutista, um Estado racional funcional e moralmente legítimo. Ou seja, se você é anarcocapitalista, Adam Smith não gosta de você”, diz.
O bom ditador
Almeida não esconde sua admiração por Ibrahim Traoré, ditador de Burkina Faso celebrado pela esquerda como o “Che Guevara africano”. Mas, para o ex-ministro, Traoré não é um tirano — e sim um herói que governa sobre “ruínas” para enfrentar “elites locais”.
“A figura de líderes como Traoré não é um acaso da História. Ela é uma necessidade que o próprio povo forja em momentos-limite”, afirma. A mensagem aqui é clara: apenas as ditaduras de direita são ruins.
Miscigenação é um mito que precisa acabar
O Brasil é conhecido mundialmente por sua mistura de raças e culturas. Para Almeida, isso é um problema.
Ele não apenas critica o conceito de “democracia racial” como despreza a categoria “pardo”, tão comum no nosso país. “A parditude aparece mais como efeito de um vazio político do que como possibilidade emancipadora”, diz.
Em bom português: Almeida quer que as pessoas se identifiquem de forma rígida como “negras” para fins de militância política. A miscigenação — essa característica tão brasileira — é vista como um “mito” que enfraquece a luta racial.
Ódio ao Ocidente
Silvio Almeida acredita que os EUA e os países europeus são as fontes de todos os males. Basicamente, ele acusa o Ocidente de decidir quem vive e quem morre no mundo — um conceito conhecido como “necropolítica”, atualmente na moda entre os acadêmicos da esquerda.
“Quando um mundo é capaz de justificar, naturalizar ou simplesmente ignorar o assassinato em massa de civis — a maioria deles mulheres e crianças —, talvez ele tenha perdido o direito de continuar existindo tal como é”, afirma.
Enquanto isso, ditaduras violentas como a da China e a da Rússia são vistas por ele com simpatia (desde que sejam antiamericanas, é claro).
Soberania, um outro nome para socialismo
“O verdadeiro nacionalismo popular e democrático é o que organiza a economia para garantir dignidade, autodeterminação e justiça social”, diz o ex-ministro.
Aqui vale decodificar. “Organizar a economia” significa controle estatal total. “Justiça social” equivale a redistribuição forçada de renda. E “verdadeiro nacionalismo” é aquele alinhado com a “solidariedade entre povos na luta contra a exploração” — ou seja, o internacionalismo comunista.
Empreendedor é como traficante
Talvez o posicionamento mais chocante de Almeida seja sua comparação direta entre empresários bem-sucedidos e chefes do tráfico.
É isso mesmo que você leu. Na visão dele, quem abre uma empresa e tem ambições de prosperar num mercado competitivo possui a mesma mentalidade de um criminoso.
“A glorificação do empreendedorismo como imperativo moral, a celebração da ‘mentalidade de tubarão’, a exaltação do risco e da agressividade competitiva, o desprezo pela seguridade social apresentada como ‘assistencialismo que cria vagabundos’ — tudo isso constitui um caldo cultural no qual a fronteira entre o empresário de sucesso e o chefe do tráfico se dissolve”, diz.
O discurso é claro: trabalho, esforço e mérito são suspeitos e estão a favor de uma “lógica perversa”. O ideal é depender do governo.
Austeridade é “terrorismo fiscal”
Para Silvio Almeida, a política é sempre uma guerra entre classes, sem espaço para pactos ou estabilidade. Segundo ele, “o que se chama de ‘nós contra eles’ é a expressão nua da estrutura social brasileira”.
Dentro dessa lógica, defender a austeridade fiscal ou repudiar o aumento de impostos vira um crime moral. Almeida chama essa postura de “terrorismo fiscal”, que está “colocando fogo em Roma”.
O acadêmico acredita que gastar menos ou cobrar menos impostos não é prudência econômica — é ataque deliberado aos pobres.
Cotas são obrigação eterna
Almeida rejeita qualquer modalidade temporária de cotas raciais — e governos que tentam proibi-las estão impedindo “a realização da Constituição”.
Na opinião dele, mesmo o questionamento dessas políticas configura uma “aberração jurídica” e faz parte de uma “ofensiva global contra a igualdade”. Na prática, o ex-ministro defende que o Estado use critérios raciais de forma permanente, mesmo que isso contrarie o princípio de igualdade individual perante a lei.
O homem negro é sempre vítima
Para Silvio Almeida, o homem negro está condenado a viver sob suspeita permanente. “O homem negro tem como sina carregar consigo um laudo de insanidade tatuado na pele, uma ficha criminal imaginária, uma má-reputação pré-fabricada”, diz.
Mas essa tese, que joga a responsabilidade para a tal da “estrutura”, é apontada por seus críticos como uma cortina de fumaça que pode esconder uma boa dose de vitimização.
Vale lembrar que o ex-ministro, quando foi acusado de assédio, recorreu ao mesmo discurso, classificando as denúncias como “mentiras” motivadas por “racismo” e “perseguição política”.
Deus não está em Israel
O discurso de Silvio Almeida sobre o conflito em Gaza não admite qualquer tipo de ponderação. O ex-ministro afirma que a ação israelense deve ser chamada “pelo nome que o Direito Internacional reserva para o mais grave dos crimes: genocídio”.
Não há menção, em seus conteúdos, aos ataques do Hamas ou ao direito de autodefesa. Ele ainda encerra o assunto num tom pseudorreligioso: “Qualquer Deus que não esteja em Gaza não está em lugar algum”.
Conservador hoje, fascista amanhã
“O fascismo deve ser destruído de todas as formas: com os punhos, com as armas”, afirma Silvio Almeida. Acontece que, na visão dele, qualquer pessoa conservadora está a um passo de se tornar fascista, bastando uma crise econômica para “virar a chave”.
A crença em valores tradicionais, para o ex-ministro, é apenas uma “defesa incondicional de privilégios” por meio de projetos autoritários. A mensagem final é explícita e agressiva: para Almeida, conservadores são fascistas em potencial e devem ser combatidos — inclusive com violência física.

