Sob a luz do pisca-pisca, contemplo cartões de Natal virtuais, que me chegam na forma de comentários. O contraste é tão óbvio que me dói. De um lado, palavras de apoio e compreensão. Até de solidariedade, porque não pense que é fácil, não. De outro, julgamentos, insultos e acusações estapafúrdias. Levanto a cabeça. Ao longe, a cidade se enfeita. “Deve estar tocando ‘Então É Natal’ em algum lugar”, penso e rio. Tão ridículas essas nossas implicâncias com as coisas à toa que preenchem o nosso dia.
Volto às mensagens, que são o que de mais próximo há de uma conversa entre mim e o leitor. Nas mensagens mais duras, tento enxergar a dor e a frustração com que foram escritas. Me pergunto se, à custa da minha honestidade e credibilidade, deveria ter sido mais militante. Mais panfletário. Aí leio uma mensagem elogiosa, sensata, calma, bem-humorada e me sinto vingado – por mais feio que isso seja e é. Afinal, ainda há quem consiga perceber o esforço honesto da análise idem. Mais do que isso, há quem consiga rir comigo. E como é boa uma risada compartilhada!
Hmmmm, ele é amalgamado…
Sou um escombro de medos e dúvidas amalgamadas por um humor de gosto duvidoso. Me pesa ao ombro a cruz de quem tenta ver além do preto no branco. E acredite: seria tão mais fácil se eu ficasse reproduzindo gritos de absurdo!, inaceitável! e inadmissível!… Mas não. Insisto em dar mais do que me pedem e percebo que, para alguns, isso só aumenta o tumulto interior. O que nunca é minha intenção, mas sei que acontece. Tenho vontade de pedir desculpas, mas não vou pedir desculpas. “Desculpa”, digo, num sussurro deliciosamente contraditório.
Ninguém ouve, ninguém aceita. Mas também ninguém rejeita, o que me leva a pensar no coração aflito que bate cá dentro. Aflito e esperançoso. Ainda mais nesta época em que invariavelmente volto a ser aquele menino de cabeleira indomável. Foi no Natal que descobri a crueldade do mundo e a maldade das pessoas. É no Natal que, todos os anos, me desfaço dessa memória para renovar minha esperança na caridade e na bondade das pessoas. Em dizendo isso, bem sei, é como se brincasse com um novelo de contradições. Eu gosto. Me deixa.
A gente vai ter
Me levanto para me servir de espumante. Bebida imaginária, porque estou trabalhando, embora a alguns não pareça. De ébrio, pois, este texto só tem a voz embargada. A mesma do tio João (que saudade!). No caminho até a adega (igualmente imaginária), penso nas tretas políticas que se estendem aos ambientes familiares e de amizade. E concluo sem brilhantismo que esse será o maior desafio dos anos vindouros: o reconhecimento da humanidade alheia. Das qualidades para além dos defeitos, e vice-versa. Principalmente vice-versa.
Não sei como, mas sei que em algum momento a gente vai ter que voltar a reconhecer a dignidade do interlocutor, por mais que o consideremos um inimigo e assim por ele sejamos considerados. A gente vai ter (até porque do contrário a vida vai ficar insuportável) que voltar a prestar atenção ao que importa: o nosso semelhante, esteja ele caído à beira da estrada, recoberto por feridas que reconhecemos como lepra ideológica; ou mesmo que ele tenha acabado de voltar para casa, depois de esbanjar a herança do pai e de dividir a lavagem com os porcos. A gente vai ter. Não sei como. Mas vai. E, para isso, conto sempre com a sua ajuda.
Brindisi!
Um brinde, pois. A Ele cujo nascimento celebramos, e que não veio para os que se consideram perfeitos, muito menos para aqueles que do outro exigem perfeição, e sim para todos nós. Sobretudo os imperfeitos. o/ Ele que não esperou que houvesse concordância total para oferecer o amor. É essa postura, aliás, que me inspira a escrever e, voltando ao diálogo ruidoso que me incomoda (não vou negar, me incomoda), que me leva a entender a agressividade tão típica do nosso tempo não como uma expressão das ancestrais crueldade ou maldade humanas. Embora também seja.
É o amor que mexe com a minha cabeça e me deixa assim: entendendo essa agressividade toda como sintoma de um sofrimento inalcançável, um pedido de ajuda, um grito de “Me vejam, pelo amor de Deus! Eu existo!”, de pessoas que aprenderam a rosnar e a morder quando se sentem ameaçadas. Mas não sou ameaça. Não sou. Por outra, me confesso vulnerável. Pequeno. Fraco. Às vezes também quero gritar. Sou um nada. Um ser humano ordinário cuja vocação e sorte o levaram a, veja só!, escrever a crônica heroica do noticiário cotidiano.
A todos vocês
A quem percebe a alma pretensamente leve das minhas criações quase diárias, pois, meu mais sincero agradecimento. Muito obrigado. Aos demais, por favor, né? Que neste Natal, a paz que tanto desejamos possa, por um instante que seja, silenciar o ruído das diferenças. Que a renovação da esperança seja o prenúncio de um abraço fraterno. Bem forte. Tá sentindo? Não somos iguais, jamais seremos. Mas podemos, sim, conviver e principalmente nos ajudar em meio a isso que parece, só parece, um naufrágio coletivo, mas que na verdade é apenas vida. Nada mais do que vida.
Por fim, nesta mensagem de Natal quero dizer que o amor, mais do que uma palavra gasta a ponto de muitas vezes não significar nada, absolutamente nada, ainda é a única resposta que faz sentido. Em qualquer contexto. Até mesmo (e principalmente) na política. A todos vocês, que ao longo de 2025 concordaram, discordaram, riram, se revoltaram ou apenas me leram em silêncio, desejo que neste Natal sejam renovadas as fontes de amor e compreensão que podem até estar represadas, mas, tenho certeza, jorram do coração de todos. De todos. Um feliz e abençoado Natal.

