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Bolha? Mercado imobiliário não está em colapso, mas falta crédito

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É difícil conduzir uma disciplina de Urbanismo, sobretudo aquelas que discutem mercado imobiliário, sem que me perguntem se há uma bolha imobiliária no Brasil. Normalmente essa pergunta emerge do paradigmático caso de Balneário Camboriú, com seus imóveis excepcionalmente caros. Minha resposta é sempre não, não há uma bolha imobiliária no Brasil. Explico.

A confusão emerge quando se imagina que bolha imobiliária é o mesmo que especulação imobiliária, que é o que efetivamente acontece em nosso país. A cara dos fenômenos é quase igual: imóveis caros. O que os diferencia é a premissa do crédito.

No processo de especulação, tensionam-se os preços dos imóveis para cima, mais e mais, até que se extraia o maior valor de troca possível, por vezes descolado do valor de uso. Em muitos casos, prefere-se manter o imóvel desocupado do que vendê-lo sem esse tensionamento. O resultado é um estoque habitacional inacessível para a maior parte da população.

E a bolha?

Na bolha, a roupagem do fenômeno é a mesma: imóveis caros. Porém, a bolha presume abundância de crédito no mercado. É o que aconteceu na conhecida crise de 2008, cujo epicentro foi nos Estados Unidos. Naquele país, além de juros baixos, a securitização da dívida em mercados secundários permitiu aumentar o montante de crédito disponível nos bancos privados e gerar um ilusório cenário de “dinheiro sem fim”.

Quanto mais dinheiro os bancos emprestavam, mais dívidas eram “vendidas” a investidores capitalizados, e mais crédito estava disponível no mercado. Isso foi estendendo o crédito a grupos mais vulneráveis até que uma linha foi cruzada, e grupos sem capacidade de pagar o financiamento receberam crédito privado. Por causa da abundância de crédito, o estoque habitacional valorizou-se muito. Afinal, virtualmente todo norte-americano teria um financiamento aprovado, pressionando a demanda. Esse excesso de crédito motivou um tipo específico de especulação imobiliária: cobra-se mais pelo imóvel porque há mais dinheiro no mercado e mais pessoas teriam financiamento aprovado. Os preços imobiliários estavam nas alturas, mas não porque os imóveis estavam maiores, melhores ou mais bem localizados. A explicação tampouco era inflação ao acaso.

Assim, o preço do produto imobiliário inflou (como uma bolha) e, iniciados os calotes desses empréstimos (defaults), os investidores quiseram seu dinheiro de volta, quebrando alguns bancos. O caso mais conhecido foi o do Lehman Brothers. Era o estouro da bolha: com a quebra dos bancos e perda de confiança na dívida securitizada, os preços dos imóveis caíram abruptamente, mas o valor devido permaneceu o mesmo. Como resultado, cidadãos comuns de classe média e baixa tinham em mãos uma dívida muito maior do que o valor presente do seu imóvel.

Excesso de crédito definitivamente não é nosso caso. Muito pelo contrário: o Brasil vive o clímax da escassez de crédito imobiliário. O Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), responsável de longa data pelos recursos para financiamento imobiliário, apresenta tendência de queda. O FGTS, outro responsável pelo financiamento do setor habitacional, também perdeu espaço, o que pode ser explicado por pelo menos duas razões. Uma delas é o aumento da informalidade, incluindo os trabalhadores plataformizados. Outra é o saque-aniversário que drena os recursos do Fundo e o enfraquece como fundo de investimentos. Para completar, os juros reais altos aumentam o custo do dinheiro e dificultam o acesso ao crédito privado, pelo menos para aqueles que não querem que seu financiamento vire uma bola de neve capaz de destruir a própria estabilidade financeira do lar.

E o caso Balneário Camboriú?

Balneário Camboriú tampouco vive uma bolha imobiliária. Quer queira, quer não, a cidade é Brasil e vive a mesma escassez de crédito. Os altíssimos preços dos imóveis da cidade são uma variante de especulação imobiliária motivada pelo potencial turístico, pelo aparato normativo flexível e permissivo para incorporação de alto padrão e, claro, pela ostentação. Em 2025, o apartamento mais caro da cidade estava à venda por R$ 125 milhões. Porém, muito abaixo desse valor, já teria sido possível encontrar a melhor localização, com a melhor estrutura de condomínio, contratar o melhor escritório de arquitetura e construir com os melhores materiais. O preço de face dos anúncios, portanto, não tem respaldo na materialidade construída. Materialidade essa que, no caso em questão, é muito insuficiente em termos de respeito pela história da arte e bom senso estético. Afinal, réplicas de estilos greco-romanos e vidro verde não são arquitetura.

Algo semelhante acontece em Nova York com imóveis de alto padrão nos entornos do Central Park (embora esses, às vezes, tenham senso estético razoável). Além da especulação, cidades-ostentação como NYC, BC ou outras no sudoeste asiático apresentam uso recorrente do mercado imobiliário como estratégia para lavagem de dinheiro. Na casa dos US$60 milhões, e daí para os US$ 80 ou US$ 125 milhões, nada mais no campo da arquitetura explica o preço. Tudo o que havia de melhor na cidade já poderia ter sido adquirido com US$ 60 milhões ou menos. Assim como o mercado das artes e das joias, o imobiliário é subjetivo e opaco o suficiente para ocultar artimanhas financeiras.

Há risco de bolha imobiliária no Brasil? No horizonte visível, não. Um estudo do banco suíço UBS aponta que, em 2025, São Paulo apresentou o menor risco de bolha imobiliária entre as 21 cidades avaliadas globalmente. Segundo o UBS Global Real Estate Bubble Index, a capital paulista ocupa a última posição no ranking, com índice negativo, o que significa ausência de desvios especulativos significativos entre preços e fundamentos econômicos. Esse resultado reforça a percepção de que o problema brasileiro não é o excesso, mas a escassez de crédito, e que os altos preços observados em determinados segmentos do mercado estão associados à especulação e à financeirização imobiliária, e não a uma bolha. Sobre os altos preços dos aluguéis nas principais metrópoles do país, a pressão inflacionária está, em parte, relacionada à ampliação da atuação de fundos de investimento imobiliário.

Portanto, o que acontece no Brasil é um mercado restrito, seletivo e concentrado, onde poucos podem comprar, muitos desejam comprar e o custo do dinheiro é muito alto. O que se tem no Brasil não é, portanto, uma bolha imobiliária, mas a impossibilidade de direito à moradia facilitado. Ao contrário da bolha, nossa especulação institucionalizada não estoura, pelo menos não de uma vez só como na crise de 2008. Mesmo assim, soa estridente.

Rafael Kalinoski é arquiteto e urbanista, mestre em Planejamento Urbano e doutor em Gestão Urbana. É pesquisador visitante da PUCPR, atua no escritório de arquitetura novaiorquino Rawlins Design, e é professor de urbanismo no Centro Universitário de Tecnologia de Curitiba e na Escola de Administração Pública da Prefeitura Municipal de Curitiba.

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