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Como os vexames da COP 30 expõem a hipocrisia do governo

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A COP 30 tinha todos os elementos para ser um marco histórico: será a primeira a ser realizada dentro da maior floresta tropical do planeta.  

Contudo, o governo atual está tornando o evento sediado em Belém, no Pará, inesquecível por uma série de contradições.  

O exemplo mais recente é a autorização concedida à Petrobras para perfurar poços para explorar petróleo na Foz do Amazonas, na Margem Equatorial. O anúncio foi feito no dia 20 de outubro, encerrando uma briga entre ambientalistas e petrolíferas de mais de uma década. 

A questão não é a produção de petróleo em si (que tem prós e contras), mas o momento: uma das maiores (se não a maior) exploração de combustível fóssil ao lado do local e a menos de um mês do maior evento ambiental que o Brasil já foi anfitrião. 

A Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 30), que acontece entre os dias 10 e 21 de novembro, teve ainda problemas com infraestrutura, falta de quartos, preços abusivos para hospedagem, árvores artificiais e comida.  

Ao dar sinal verde para a exploração de um bloco que fica a cerca de 175 quilômetros do Amapá e próximo à foz do Rio Amazonas – que concentra um dos biomas mais ricos do mundo –, o governo federal parece ir na contramão de seu próprio discurso ambiental e reforça a imagem contraditória do Brasil perante a comunidade global. 

Veja cinco motivos que expõem a hipocrisia do governo Lula na COP 30: 

1) Margem Equatorial 

A Margem Equatorial, uma faixa de águas profundas do Rio Grande do Norte ao Pará, é vista como o “novo pré-sal” por causa da estimativa de volume de petróleo a ser encontrada. É de cerca de 10 bilhões de barris recuperáveis, com potencial de R$ 1 trilhão em arrecadação para a União nas próximas décadas, segundo o Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). 

A COP 30 começa no dia 10 de novembro. Vinte dias antes, no dia 20 de outubro de 2025, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) concedeu à Petrobras a licença para uma perfuração exploratória no Amapá. A estatal começou a operação imediatamente após a emissão da licença. 

Embora o presidente Luiz Inácio Lula da Silva argumente que não há paradoxo na decisão do Ibama à Petrobras, defendendo que o dinheiro do petróleo será usado para financiar a transição energética do país, ambientalistas alertam que a medida coloca em risco o legado climático brasileiro e a tentativa de liderar pelo exemplo em plena crise climática.  

“Se estamos reivindicando que a gente proteja as florestas e queremos trabalhar para que a gente possa reduzir o uso de combustível fóssil, uma das formas é a gente utilizar o dinheiro do petróleo para consolidar a transição energética”, disse o presidente na semana passada. 

A Petrobras tem interesse especial em um bloco da bacia da Foz do Amazonas (FZA-M-59), onde acredita estar o maior volume em petróleo – cerca de 5,6 bilhões de barris de óleo, segundo estudos da empresa. Essa área é motivo de uma briga acirrada há anos. 

De um lado, entidades cobram mais rigor para as licenças ambientais, principalmente para o caso de vazamento de óleo. O argumento é de que os estudos apresentados são incompletos para garantir a segurança da floresta e a das comunidades indígenas e ribeirinhas da região. 

Do outro, o setor petroquímico defende que a exploração na Margem Equatorial é essencial para dar fôlego à indústria brasileira. A produção nacional de petróleo começa a declinar após 2030 se não houver novas reservas.  

Os primeiros blocos na Margem Equatorial brasileira foram licitados na 11ª Rodada de Licitações da ANP em maio de 2013. Desde então as empresas (as que não desistiram no caminho) aguardam as licenças para começar a pesquisar e explorar.  

“Em plena crise climática e às vésperas da COP 30, o Brasil joga no fundo do oceano a tentativa de liderar pelo exemplo e põe em risco o legado climático do país ao autorizar a perfuração na bacia da Foz do Amazonas, lançando as bases para a ocupação da região pela exploração petroleira”, diz Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima. 

ONGs processam governo Lula contra perfuração de petróleo na Foz do Amazonas. (Foto: Lula Marques / Agência Brasil)

2) A Escolha de Belém 

Belém foi escolhida para sediar a COP 30 principalmente por sua localização. A capital do Pará está dentro da Amazônia. De lá, é possível conhecer locais próximos de mata nativa ou visitar pontos como o Bosque Rodrigues Alves, que guarda um “pedaço” da floresta amazônica no coração da cidade. 

Apesar de toda a riqueza cultural e sede de um evento global de sustentabilidade, Belém enfrenta graves problemas de infraestrutura, de moradia e de saneamento básico – outra contradição. 

Críticos apontam que as intervenções e obras realizadas pelos governos estadual e federal em Belém para a COP 30 podem acabar ampliando as desigualdades na cidade, porque vão valorizar mais algumas áreas em detrimento da melhoria da qualidade de vida das populações mais vulneráveis. 

No início do mês, em visita ao Pará, Lula disse que sabia que “Belém era uma cidade com problemas”.  

“Tem os problemas de drenagem, tem os problemas da pobreza. Mas veja, por que que nós aceitamos no Brasil fazer a COP lá? É porque é preciso mostrar para o mundo o que é a Amazônia e o que é o Pará. Não vai ser a COP do luxo, é a COP da verdade”, afirmou ele, segundo a Agência Brasil. 

3) Hospedagem desconfortável 

Outro obstáculo que coloca em risco até mesmo a participação de algumas delegações é a hospedagem. A expectativa é receber entre 45 mil e 50 mil pessoas na conferência. A capacidade de Belém é de cerca de 20 mil camas para os hóspedes. 

O governo federal propôs usar dois navios de cruzeiro para aumentar o número de leitos em mais seis mil e adaptar escolas públicas, alojamentos militares, imóveis do programa Minha Casa, Minha Vida e hospedagens religiosas. 

A falta de infraestrutura levou a outros três infortúnios: os preços exorbitantes para hospedagem, que, por sua vez, causaram um desconforto diplomático, o qual pode resultar no esvaziamento do evento.  

Conforme levantamos na Gazeta do Povo, hotéis, imóveis para aluguel de temporada e até motéis jogaram o preço lá no alto. Anúncios em plataformas revelam valores que ultrapassam os R$ 2 milhões para os dez dias de COP 30. 

Enquanto a média em grandes eventos é de cobrar duas a três vezes mais, no Pará está sendo cobrado de dez a 15 vezes mais. A atitude foi malvista e deixou vários países aborrecidos não só porque os valores ultrapassaram o orçamento, mas pela “malandragem”.  

Delegações de países em desenvolvimento, notadamente africanos, estão preocupadas e acham que os valores podem inviabilizar a participação. Países ricos, como Áustria, Bélgica, Canadá e Suécia, também intervieram e formalizaram pedidos para reconsiderar a sede da conferência. 

4) Pará sem tucupi e açaí 

A Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI), responsável pela contatações de restaurantes para a COP 30, publicou um edital no qual classificava como “alimentos proibidos” ou “a evitar” comidas características da culinária paraense, como o açaí in natura, o tucupi e a maniçoba. 

O argumento era a preocupação com a segurança sanitária e o risco de contaminação por toxinas ou bactérias, como a associada à Doença de Chagas no açaí mal processado. 

Uma observação: Belém tem o título de cidade criativa de gastronomia da Unesco. 

População, cozinheiros e empresários fizeram um rebuliço e alegaram que vetar seus pratos mais emblemáticos seria um desprestígio, um “apagamento cultural” e uma atitude que beirava o “colonialismo” em um evento que seria a vitrine da Amazônia para o mundo.  

O governo federal cedeu, fez uma errata no edital e reverteu a proibição. Ingredientes típicos do Pará poderão, então, ser usados, desde que devidamente preparados e com rigoroso controle da vigilância sanitária. 

ver o peso mc abr 29092025 22 scaled.jpgMovimentação durante a madrugada no mercado de açaí e peixes do Ver-o-Peso, considerada a maior feira livre da América Latina, em Belém (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

5) Desaprovação aumenta 

Um levantamento da Quaest, divulgado na semana passada, mostrou que a autorização do governo à Petrobras para a perfuração na Margem Equatorial em 20 de outubro aumentou as menções negativas à COP 30 nas redes sociais. 

Das 105 mil citações em diversas plataformas, nos idiomas inglês, português e francês, 31% foram menções negativas. O número representa um aumento de três pontos percentuais em relação à semana anterior, quando o instituto identificou 28% de menções negativas. 

Já as menções positivas caíram de 26% para 22% no período. As postagens neutras mantiveram o patamar de 47%.  

  • País precisa de “esforço imediato” para conter queda da produção de petróleo, diz estatal
  • Ministério Público pede suspensão de licenças de petróleo na Foz do Amazonas

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