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Como Rio pode vencer a guerra contra o crime

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O Rio de Janeiro vive uma das fases mais críticas de sua segurança pública. Em paralelo à dificuldade do governo federal em se opor ao crime, avança o poder das facções criminosas, que já dominam territórios inteiros sob o controle das organizações do tráfico. Assim, a cidade maravilhosa torna-se palco de violência cotidiana, tiroteios e confrontos constantes.

Para tentar aplacar os horrores do crime organizado, o governador Cláudio Castro comanda, há alguns dias, a “Operação Contenção”, mobilizando milhares de agentes para retomar territórios dominados pelo crime organizado. A ofensiva já deixou ao menos 119 mortos, mais de 113 presos e grande quantidade de armas apreendidas. 

Diante desse panorama, certa questão se impõe: como o Rio pode vencer a guerra contra o crime? Há casos estrangeiros que poderiam ser replicados ao Rio de Janeiro? O que impede o país a acabar com o narcotráfico?

“Sufocar a atividade criminosa” 

O presidente do Instituto Novas Ideias de Segurança Pública (INISP), Luciano Andreotti, defende que o combate ao crime organizado no Rio de Janeiro precisa deixar de ser pontual e passar a ter caráter permanente e estratégico.  

Em entrevista à Gazeta do Povo, ele alerta que, se a polícia “virar as costas e for embora”, o crime rapidamente se reorganiza e volta a dominar as áreas. “A morte dos policiais e o esforço da operação teriam sido em vão, porque os criminosos mortos serão substituídos, e o crime organizado vai descer do morro para reaver o prejuízo”, explica. Para ele, só um esforço conjunto entre Forças Armadas, Força Nacional e polícias estaduais permitiria ocupar e manter, por tempo prolongado, os territórios dominados.

O tenente-coronel da PMDF Olavo Mendonça concorda. Para ele, “as facções criminosas no Rio de Janeiro podem e devem ser combatidas em várias frentes”, com uma atuação que combine força policial, inteligência e respaldo jurídico. Na sua visão, o primeiro passo é garantir presença diária e permanente das forças de segurança nos locais dominados pelo tráfico. Essas ações, afirma, devem “sufocar a atividade criminosa”, cortar o fluxo financeiro do tráfico de drogas e quebrar o falso poder que as facções exercem sobre a população local. 

Mendonça também ressalta a importância da inteligência policial para mapear os líderes das quadrilhas e suas ramificações, inclusive dentro do próprio Estado. Segundo ele, é preciso identificar vínculos entre o crime e setores como a política e a imprensa. 
Outro ponto destacado é o papel do Judiciário e do Ministério Público. Mendonça defende uma atuação firme e alinhada entre as instituições, para evitar o que ele chama de “efeito da impunidade” — quando “a polícia prende e a justiça solta”. 

Além da repressão direta, o militar considera fundamental o combate à guerra de narrativas. Para ele, o Estado deve investir em comunicação de massa para informar a sociedade sobre os resultados das operações e impedir que versões distorcidas enfraqueçam o trabalho das forças de segurança. 

Como outros países venceram o crime organizado

Alguns exemplos internacionais podem inspirar soluções para o Rio. Na Colômbia, a retomada de territórios dominados por cartéis nos anos 1990 resultou em redução significativa da violência e reorganização urbana. Andreotti destaca que ações coordenadas do Estado, combinadas com investimentos em infraestrutura, cultura e mobilidade em áreas antes dominadas pelo crime, foram fundamentais para restaurar a autoridade estatal.

Em Medellín, por exemplo, teleféricos, bibliotecas e centros culturais em comunidades como a Comuna 13 ajudaram a redefinir a relação entre população e Estado, mostrando que repressão e políticas sociais devem caminhar juntas.

Milei, na Argentina, conseguiu reprimir gangues de narcotráfico bloqueando as rotas de exportação de cocaína. Isso fez os índices de homicídios despencarem, especialmente em Rosario, cidade epicentro da violência ligada ao tráfico de drogas.

Em contrapartida, o México é citado como exemplo negativo. O Estado, ao reconhecer informalmente a perda de territórios para os cartéis, acabou permitindo que facções como o Cartel de Sinaloa controlassem cidades inteiras. Para Andreotti, a lição é clara: “Ou o Estado brasileiro retoma os territórios perdidos para as facções mediante uso de todas as forças necessárias ou aceita que perdeu os territórios e deixa submeter populações inteiras ao seu julgo.”

Mendonça reforça a necessidade de ações coordenadas de choque de ordem e inteligência policial. Ele cita Nova York, com a teoria das “janelas quebradas”, que transformou áreas urbanas violentas em bairros seguros por meio da repressão a pequenas infrações e da presença contínua do Estado. Para ele, o princípio é universal. Qualquer enfrentamento eficaz exige que o Estado se faça presente, combine repressão com estratégia e atue de forma permanente.

O que impede o Brasil de acabar com o crime organizado 

Embora existam modelos bem-sucedidos, o Brasil enfrenta entraves estruturais. Andreotti aponta a fragmentação institucional, em que polícias estaduais, federais e municipais atuam de forma isolada, sem coordenação eficiente. As facções possuem fuzis e armamentos pesados, por vezes, mais modernos do que a própria polícia.  

Além disso, lacunas legais, progressão de penas e impunidade judicial dificultam a prisão e a condenação de criminosos de alto risco. Para ele, a aplicação de dispositivos do direito penal do inimigo e a classificação das facções como grupos terroristas poderiam suprir parte dessas falhas. 

O tenente-coronel da PMDF destaca ainda outras práticas que reforçam a impunidade, como audiências de custódia, saidões, desencarceramento e liberdade condicional para crimes graves. Ele propõe o fim desses instrumentos, além de permitir que a Polícia Militar e a Polícia Rodoviária Federal (PRF) tenham maior poder de investigação e autuação. Segundo ele, sem ajustes legais e reforço institucional, qualquer operação se torna temporária, deixando os criminosos livres para retomar o controle dos territórios e a população vulnerável ao domínio paralelo. 

A solução é “Bukelizar” o Rio de Janeiro? 

A experiência de Nayib Bukele em El Salvador é apontada pelos especialistas como um paradigma de combate às gangues. Andreotti observa que Bukele adotou medidas do direito penal do inimigo, proibindo símbolos de gangues e atuando de forma decisiva para impedir a exaltação criminosa, enquanto Mendonça destaca a combinação de inteligência policial, caça a líderes das facções, desarticulação do fluxo de capital, expulsão de membros corruptos do Judiciário e do Ministério Público, investimentos em presídios de segurança máxima e tecnologia policial.

Policiais do Rio de Janeiro em operação contra o crime organizado (Foto: EFE/ Antonio Lacerda)

Segundo os dois especialistas, essas estratégias poderiam ser adaptadas ao Rio de Janeiro, desde que ajustadas às peculiaridades do Brasil, incluindo dimensão territorial, legislação federal e necessidade de respaldo legal. Para Andreotti, é possível “bukelizar” aspectos da operação — postura de firmeza, ocupação territorial, pressão contínua — sem comprometer regras democráticas e direitos fundamentais. Mendonça complementa que o modelo de El Salvador mostra que é possível reduzir drasticamente a violência quando todas as frentes do Estado são mobilizadas de forma coordenada e permanente. 

O próprio Bukele já comentou sobre o crime organizado brasileiro. Para o presidente salvadorenho qualquer governo tem capacidade de eliminar a criminalidade, destacando que o Estado é sempre mais forte que organizações criminosas. Depois de ressaltar que seu país passou de um dos mais inseguros do mundo para o mais seguro do hemisfério, ele destacou que, apesar de o crime organizado no Brasil ser maior, “o Estado do Brasil é muito mais forte e poderoso que a organização criminosa”.  

Bukele também comparou a situação latino-americana à Europa, onde, segundo ele, mesmo com alto consumo de drogas legais e ilegais, não existem cartéis controlando territórios, pois “o Estado controla o seu território”. Para ele, o problema na América Latina é a incapacidade de alguns governos de assumir controle total, deixando zonas inteiras sob domínio dos cartéis.

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