Os Correios correm contra o tempo para apresentar um plano robusto de reestruturação que convença o setor financeiro a emprestar os R$ 20 bilhões pleiteados pelo presidente Emmanoel Rondon para reerguer a estatal de uma crise sem precedentes.
Mesmo com garantia do Tesouro, bancos públicos e privados resistem à operação que, além de arriscada, é vista por especialistas como insuficiente para colocar a empresa centenária em condições de competir com os operadores privados que já dominam a logística no país.
Os prejuízos históricos, que especialistas veem como frutos de uma gestão temerária aliada a um modelo de negócio insustentável, revelam um padrão clássico de deterioração: receitas em queda (de 11,3% de 2022 a 2024) e custos em alta, com despesas de pessoal subindo 43,1% no mesmo intervalo.
Além do rombo de R$ 4,3 bilhões no primeiro semestre de 2025 — mais que o triplo do mesmo período de 2024 e já acima do recorde negativo de todo o ano anterior, de R$ 2,6 bilhões —, a empresa acumula R$ 9,4 bilhões em dívidas.
Rodrigo Barros, sócio-diretor da Andersen Consulting, lembra que o último relatório dos Correios, divulgado em setembro, já demonstrava um passivo total da estatal, incluindo despesas administrativas, perto dos R$ 20 bilhões.
“Isso [o empréstimo] só daria para pagar as contas”, diz. “O que está sendo colocado é dinheiro para quitar dívidas e deixar caixa para obrigações de curto prazo, não um aporte suficiente para redefinir o modelo de operação ou redesenhar o negócio da empresa.”
E acrescenta: “Se eles não inventarem uma forma nova de competir, o plano não vai ser efetivo, porque ela continua sendo uma empresa deficitária operacionalmente.”
Paulo Fernandes de Oliveira, professor de MBA na Fundação Getulio Vargas (FGV) e head da MundoLogística, reforça que não se trata só de equilibrar as contas financeiras, mas de investir em tecnologia e se modernizar. “E aí vai muito dinheiro.”
Ele faz uma comparação para justificar a insuficiência do valor. “O Mercado Livre anunciou que vai investir R$ 20 bilhões na logística em um ano. Uma empresa que já tem uma estrutura nova, integrada e digitalizada. Imaginar que o mesmo valor tiraria os Correios de uma ineficiência global parece pouco. É claro que esse valor não basta.”
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Empréstimo prevê consórcio de bancos
Os Correios afirmam que o recurso permitirá reforçar o caixa, regularizar dívidas com fornecedores e recuperar a capacidade operacional da estatal. A opção pelo empréstimo foi para evitar pedir dinheiro direto ao Tesouro, alternativa rejeitada pela equipe econômica.
Não apenas porque exigiria gastar mais agora, mas porque colocaria a estatal oficialmente como dependente do governo, o que obrigaria suas despesas a entrarem no Orçamento federal, que já está no limite.
Segundo a empresa, o desenho do financiamento seguirá o modelo de um consórcio de bancos — públicos e privados — atuando de forma conjunta, “em condições alinhadas ao mercado de crédito atual”.
Banco do Brasil e Caixa lideram as negociações. Em caso de inadimplência, a dívida seria coberta com recursos públicos, o que reduz o risco para as instituições. Isso significa dizer que a conta recairia sobre o pagador de impostos.
Para Oliveira, no entanto, os bancos não assumiriam este risco. “É muito mais saudável para todo mundo se os próprios Correios conseguirem se pagar — e por isso o plano é tão importante.”
Projeto ainda será detalhado pela estatal
A proposta inicial da Caixa prevê um empréstimo-ponte inicial de R$ 2 bilhões a R$ 3 bilhões, com liberação em etapas condicionadas ao cumprimento de metas. As fases seguintes dependeriam de captações adicionais junto a bancos privados e fundos imobiliários.
Os bancos estão analisando o balanço da estatal e listaram três frentes críticas a serem enfrentadas: o estoque e o crescimento acelerado das dívidas trabalhistas; o peso da folha salarial; e a necessidade de um levantamento detalhado dos ativos imobiliários disponíveis para venda ou utilização em operações financeiras.
As linhas gerais da proposta apresentada por Rondon preveem três frentes de ação na primeira fase: redução de despesas, diversificação de receitas e recomposição de liquidez.
Para o corte de gastos, a estatal menciona a realização de um Programa de Demissão Voluntária (PDV) mais amplo. Até junho, a empresa contava com 80,3 mil funcionários. Um PDV que terminou em julho teve 3,7 mil adesões, abaixo da expectativa, que previa mais de 5 mil. A iniciativa deve aliviar o caixa em R$ 700 milhões no ano que vem.
Também estão previstas no pacote de cortes a venda de ativos ociosos, como imóveis, e a renegociação de contratos com fornecedores. Do lado da receita, a aposta é na reaproximação com grandes clientes e no redesenho de serviços.
Bancos querem garantias dos Correios
A aprovação formal da operação vai depender do detalhamento do plano de reestruturação que será apresentado aos executivos da Caixa e do BB. Carlos Henrique, CEO da fintech Sttart Pay, acredita que o empréstimo só vira a partir da demonstração concreta da viabilidade de pagamento.
“O plano apresentado não responde ao que bancos precisam saber: de onde virá o fluxo de caixa futuro, quais despesas serão efetivamente cortadas, qual a projeção de geração de valor”, diz.
Sem esses dados, afirma, os bancos entendem que estariam financiando déficits operacionais em vez de uma reestruturação. Conceitualmente, os bancos enfrentam risco moral: emprestar sem exigir reformas cria incentivos perversos, permitindo que a má gestão continue.
“Emprestar sem exigir reformas é premiar a ineficiência. Isso cria um risco moral que nenhum banco sério aceita assumir”, diz Henrique. “Sem evidências de mudança estrutural, o empréstimo apenas transfere recursos para um modelo falido.”
Procurados, os bancos não quiseram se posicionar. Os Correios informaram aguardar a formalização da operação.
Correios precisarão se reinventar
Rondon afirma que, caso consigam o empréstimo bilionário, os Correios podem voltar a a dar lucro em 2027. A premissa é otimista, considerando o patamar atual e as necessidades operacionais, de gestão e de mercado para a reestruturação.
“Para pensar em novas receitas, que é uma das alavancas para sair desse emaranhado de resultado negativo, a empresa primeiro precisa entregar uma qualidade de serviço”, diz Oliveira. “Isso passa por reestruturação de processo, definição de métricas, comunicação com o mercado, enfim, eficiência.”
João Moura, diretor na Wind Streamline Logistics, acredita que desafio será adaptar a logística da estatal à eficiência e à tecnologia, competindo com grandes players.
“A saída da crise é a definição de profissionais aptos a gerir com competência a poderosa malha logística dos Correios com seus armazéns e transporte”, diz. Mas ele ressalta que isso é especialmente difícil em estatais: “Numa empresa em que os postos de liderança são indicações e não competência, o fracasso é inevitável”.
Para Barros, o problema vai além de colocar dinheiro na empresa. “É preciso reposicionar a empresa, redefinir como ela atua para parar de gerar prejuízo e passar a competir. É o que empresas privadas fazem. Os Correios precisam decidir o que querem ser.”
Uma eventual privatização, no entanto, está fora do radar do governo e do mercado. Provavelmente alcançaria a um preço muito baixo devido ao tamanho do passivo da empresa.
“Minha sensação é de que os Correios vão dar uma diminuída para aumentar a eficiência”, prevê Oliveira. “Vai ter menos serviços, mais focados. Talvez com redução de ativos, talvez entregando pedaços de pouco valor para concorrentes, um pouco ‘diminuir para poder crescer’. Vão deixar de ser esse mastodonte e vão dar alguns passos para trás para mostrar viabilidade.”


