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Leia o relato de Santos Dumont sobre a criação do 14-bis

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Nascido em Palmira, na Zona da Mata de Minas Gerais, em 1873, Alberto Santos Dumont foi um dos homens mais populares do mundo, mais especialmente da França, no início do século passado. Contornar a Torre Eiffel com o dirigível No 6, em 19 de outubro de 1901, contribui para essa reputação, que nos anos seguintes foi reforçada por inúmeras tentativas públicas de voar em uma máquina mais pesada do que o ar. Depois de uma série de pequenas conquistas, permeadas por acidentes graves, no dia 23 de outubro de 1906, há 119 anos, ele se tornou a primeira pessoa a decolar e pousar um avião motorizado, sem auxílio externo.

O 14-Bis percorreu 60 metros de distância, a seis metros de altura, no Campo de Bagatelle, em Paris. Os sete segundos de percurso foram o resultado de anos de pesquisas – o motor a combustão para aviões desenvolvido por ele havia sido patenteado ainda em 1898. Em 12 de novembro, ele realizaria um novo voo bem-sucedido, desta vez percorrendo 220 metros, a uma altura de seis metros, diante de uma multidão extasiada.

Os feitos do aviador estão disponíveis em diferentes filmagens de época. E também em um relato autobiográfico publicado em 1918, com o título “O que eu vi, o que nós veremos”. Dividido em duas partes, o livro descreve a trajetória do aviador, incluindo suas principais influências (com destaque para o escritor Júlio Verne). E, na sequência, apresenta reflexões pessoais sobre o futuro da aviação.

Em suas primeiras linhas, compartilha uma carta que Dumont recebeu de Alan R. Hawlei, presidente do Aeroclube da América, que comunica a inauguração do serviço postal aéreo nos Estados Unidos. Ao que o brasileiro comenta, no contexto da Primeira Guerra Mundial: “esta carta veio encher de legítima alegria o meu coração que, há já quatro anos, sofre com as notícias da mortandade terrível causada, na Europa, pela aeronáutica. Nós, os fundadores da locomoção aérea no fim do século passado, tínhamos sonhado um futuroso caminho de glória pacífica para esta filha dos nossos desvelos”.

Uma curiosidade: em seu relato, o inventor brasileiro explica a origem do nome 14-Bis: na primeira versão de testes, o aparelho era um híbrido entre avião com motor a explosão e um balão de hidrogênio, seu 14º modelo – daí o apelido que sua invenção receberia, ainda que, entre os franceses da época, o avião também fosse conhecido pelo apelido Oiseau de Proie, ou Ave de Rapina. Dumont ainda alimenta o debate a respeito da primazia dos irmãos Wright – uma polêmica que, em 2025, ainda parece longe de terminar.

Leia trechos do livro de Santos Dumont, adaptados para a ortografia contemporânea

“Estava eu em Paris quando, na véspera de partir para o Brasil, fui, com meu pai, visitar uma exposição de máquinas no desaparecido Palácio da Indústria. Qual não foi o meu espanto quando vi, pela primeira vez, um motor a petróleo, da força de um cavalo, muito compacto, e leve, em comparação aos que eu conhecia, e… funcionando! Parei diante dele como que pregado pelo destino. Estava completamente fascinado. Meu pai, distraído, continuou a andar até que, depois de alguns passos, dando pela minha falta, voltou, perguntou-me o que havia. Contei-lhe a minha admiração de ver funcionar aquele motor, e ele me respondeu: ‘por hoje basta’. Aproveitando-me dessas palavras, pedi-lhe licença para fazer meus estudos em Paris. Continuamos o passeio, e meu pai, como distraído, não me respondeu. Nessa mesma noite, no jantar de despedida, reunida a família, entre nós, dois primos de meu pai, franceses e seus antigos companheiros de escola, pediu-lhes ele que me protegessem, pois pretendia fazer-me voltar a Paris para acabar meus estudos. Nessa mesma noite corri vários livreiros; comprei todos os livros que encontrei sobre balões e viagens aéreas. Diante do motor a petróleo, tinha sentido a possibilidade de tornar reais as fantasias de Júlio Verne.”

“Abandonei meus balões e meu hangar no parque do aeroclube. Em completo silêncio trabalhei três anos, até que, em fins de julho, após uma assembleia do aeroclube, convidei meus amigos a assistirem minhas experiências no dia seguinte.

Foi um espanto geral. Todo mundo queria saber como era o aparelho. A suas dimensões eram: comprimento, 10 metros; envergadura, 12 metros; superfície total, 80 metros quadrados; peso, 160 quilos; motor, 24 HP. Era um aparelho grande e biplano e assim o fiz, apenas, a fim de reunir maiores facilidades para voar, pois sempre preferi os aparelhos pequenos, tanto que me esforcei para inventá-los, o que consegui com o meu minúsculo ‘Demoiselle’, o aeroplano ideal para amador.

Continuando na minha ideia de evolução, dependurei o meu aeroplano em meu último balão, o n.º 14; por esta razão, batizaram aquele com o nome de 14-bis. Com esse conjunto híbrido, fiz várias experiencias em Bagatelle, habituando-me, dia a dia, com o governo do aeroplano, e só quando me senti senhor das manobras é que me desfiz do balão.”

“Nesta ordem de ideias; o primeiro problema que tive a resolver foi a possibilidade de levar-se um motor de explosão ao lado de um balão cheio de hidrogênio. Uma noite, tendo suspenso a alguns metros de altura o motor no meu n.º 1, o pus em marcha; — estava com o seu silencioso — notei que as fagulhas que partiam com os gases queimados iam em todas as direções e poderiam atingir o balão.

Veio-me a ideia de suprimir o silencioso e curvar os tubos de escapamento para o chão. Passei da maior tristeza à maior alegria, pois, quanto maiores eram as fagulhas, com maior força eram jogadas para a terra e, por conseguinte, para longe do balão. Estava, pois, resolvido este problema: o motor não poria fogo ao balão.

Só o que precisava impedir era que, em caso de escapamento dos gases do balão pelas válvulas, estes não viessem alcançar o motor. Para impedir isto, eu sempre coloquei as válvulas bem atrás, à popa do balão, por conseguinte, longe do motor. 

O ponto fraco nos aeroplanos era o leme; dei, pois, sempre a maior atenção a este órgão e seus comandos, para os quais sempre empreguei os cabos de aço de primeira qualidade que são usados pelos relojoeiros nos relógios de igrejas.

Lutei, a princípio, com as maiores dificuldades para conseguir a completa obediência do aeroplano; neste meu primeiro aparelho coloquei o leme à frente, pois era crença geral, nessa época, a necessidade de assim fazer. A razão que se dava era que, colocado ele atrás, seria preciso forçar para baixo a popa do aparelho, a fim de que ele pudesse subir; não deixava de haver alguma verdade nisso, mas as dificuldades de direção foram tão grandes que tivemos de abandonar essa disposição do leme. Era o mesmo que tentar arremessar uma flecha com a cauda para a frente.”

“Em meu primeiro voo, após 60 metros, perdi a direção e caí. Este meu primeiro voo, de 60 metros, foi posto em dúvida por alguns, que o quiseram considerar apenas um salto. Eu, porém, no íntimo, estava convencido de que voara e, se me não mantive mais tempo no ar, não foi culpa de minha máquina, mas exclusivamente minha, que perdi a direção.

Com grande ansiedade, consertei rapidamente o aparelho, fiz-lhe algumas pequenas modificações e, durante algumas semanas, ‘rodei’ em Bagatelle a fim de me aperfeiçoar no seu difícil governo. Logo depois, perante a Comissão Científica do Aeroclube e de grande multidão, fiz o célebre voo que confirmou inteiramente a possibilidade de um homem voar.”

“No ano seguinte o aeroplano Farman fez voos que se tornaram célebres: foi esse inventor-aviador que primeiro conseguiu um voo de ida e volta. Depois dele, veio Bleriot, e só dois anos mais tarde é que os irmãos Wright fazem os seus voos. É verdade que eles dizem ter feito outros, porém às escondidas.

Eu não quero tirar em nada o mérito dos irmãos Wright, por quem tenho a maior admiração; mas é inegável que, só depois de nós, se apresentaram eles com um aparelho superior aos nossos, dizendo que era cópia de um que tinham construído antes dos nossos.

Logo depois dos irmãos Wright, aparece Levavassor com o aeroplano ‘Antoinette’, superior a tudo quanto, então, existia; Levavassor havia já 20 anos que trabalhava em resolver o problema do voo! poderia, pois, dizer que o seu aparelho era cópia de outro construído muitos anos antes. Mas não o fez.

O que diriam Edison, Graham Bell ou Marconi se, depois que apresentaram em público a lâmpada elétrica, o telefone e o telégrafo sem fios, um outro inventor se apresentasse com uma melhor lâmpada elétrica, telefone ou aparelho de telegrafia sem fios dizendo que os tinha construído antes deles?!

A quem a humanidade deve a navegação aérea pelo mais pesado que o ar? As experiências dos irmãos Wright, feitas às escondidas (eles são os próprios a dizer que fizeram todo o possível para que não transpirasse nada dos resultados de suas experiencias) e que estavam tão ignoradas no mundo, que vemos todos qualificarem os meus 250 metros de ‘minuto memorável na história da aviação’, ou é aos Farman, Bleriot e a mim que fizemos todas as nossas demonstrações diante de comissões cientificas e em plena luz do sol?”

Fonte: Domínio público.

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