O encontro entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, realizado na Malásia no último final de semana, foi amplamente divulgado pelo governo brasileiro como um “marco diplomático” e símbolo de prestígio internacional. No entanto, uma análise crítica revela que o evento teve mais valor simbólico do que substância estratégica.
Na prática, tratou-se de um gesto protocolar típico da diplomacia, sem quaisquer resultados concretos ou concessões reais por parte dos Estados Unidos. A política internacional é repleta dessas interações, conversas bilaterais, trocas de cumprimentos e promessas genéricas de “cooperação futura” que raramente se convertem em políticas tangíveis. O problema surge quando governos tentam converter um gesto de cortesia em uma narrativa de sucesso. E foi exatamente o que ocorreu desta vez.
Diplomacia de rotina, não de resultado
A diplomacia moderna se move por dois eixos distintos: o da diplomacia pública, voltada à imagem e à comunicação, e o da diplomacia substantiva, voltada à negociação e à produção de resultados. O encontro Lula–Trump se encaixa inteiramente no primeiro caso. Foi um evento de visibilidade, útil para a fotografia e o discurso político, mas estéril em termos de ganhos concretos para o Brasil.
Os Estados Unidos, potência global consolidada, não alteraram um único ponto de sua política econômica ou comercial em função do diálogo. Mais revelador ainda é o silêncio da US Trade Representative (USTR), o órgão americano responsável por negociações comerciais. Nenhum comunicado foi emitido sobre o encontro, o que, em diplomacia, é um sinal inequívoco de que nada relevante aconteceu.
Da mesma forma, nenhuma concessão americana em relação aos outros, talvez, dois mais importantes temas da pauta. O Brasil não obteve nenhum avanço em relação à suspensão da Lei Magnistky aplicada sobre o ministro do STF Alexandre de Moraes nem conseguiu se converter em mediador da crise Estados Unidos-Venezuela.
Por fim, convém destacar a solicitude pública de Lula em encontrar-se com Trump, alardeada pelo próprio mandatário e por seus asseclas desde que os presidentes se avistaram em Nova York, no fim de setembro, por ocasião da Assembleia-Geral das Nações Unidas, foi toda consistente com um expediente de campanha eleitoral, e não um indicativo de uma disposição de negociar. A Lula não interessa primariamente a suspensão das tarifas ou mesmo as sanções contra autoridades dos três Poderes da República baseadas na Lei Magnitsky: ele e seu entourage creem que o diferendo produziu e pode continuar produzindo dividendos eleitorais, razão pela qual a photo op não é subproduto, e sim o objetivo da reunião com Trump, no curso da qual, reitere-se, nada de substantivo foi tratado.
Assimetria de poder e a ilusão da reciprocidade
A relação entre Brasil e Estados Unidos é estruturalmente assimétrica. Washington negocia de uma posição de força, ditando termos e prioridades com base em seus próprios interesses nacionais, não em afinidades políticas ou ideológicas. Brasília, como potência, vamos lá, média, tem pouca margem de pressão e depende da boa vontade americana para qualquer avanço.
Em termos práticos, isso significa que o máximo que o governo brasileiro conseguiu foi sentar-se à mesa, mas sem real poder de barganha. Enquanto Lula e sua equipe venderam a reunião como um “recomeço nas relações bilaterais”, o governo americano tratou o episódio como um cumprimento de agenda: cortês, mas inconsequente. É nesse contexto que pode ser entendida a declaração do presidente Trump de que poderá haver negociação em torno das tarifas comerciais “dentro das condições adequadas”. Quem possui o capital político e está em posição de força para definir o que seriam essas condições não é o Brasil.
Um padrão histórico de gestos vazios
Não é a primeira vez que o Brasil confunde gesto simbólico com conquista diplomática. Em 2005, o encontro entre Lula e George W. Bush foi celebrado como início de uma nova parceria estratégica, que jamais se materializou. Em 2015, Dilma Rousseff assinou com Barack Obama uma “aliança global pelo clima” que se desfez em poucos meses. Mais recentemente, as reuniões de Lula com Joe Biden e Emmanuel Macron foram igualmente acompanhadas por discursos otimistas e resultados menos do que modestos, para não dizer inexistentes.
O encontro com Trump segue esse padrão: grande expectativa, pouca entrega. A diplomacia brasileira repete o erro de confundir visibilidade com influência, um erro que custa caro em credibilidade internacional.
Diplomacia como narrativa doméstica
O governo transformou o encontro em uma peça de comunicação interna, mais voltada ao público doméstico e à eleição presidencial de 2026 do que à comunidade internacional. Três dias antes de se reunir com Trump em Kuala Lumpur, Lula afirmou, ao ser recebido pelo presidente da Indonésia, Prabowo Subianto, em Jacarta, que disputará seu quarto mandato presidencial no ano que vem. Ao exibir a reunião como “vitória da política externa”, o Planalto buscou reforçar a imagem de protagonismo global, num momento em que enfrenta críticas internas e desafios econômicos, bem como busca desde já moldar a dinâmica de campanha presidencial de 2026.
Essa prática é o que se chama de diplomacia performativa, quando o gesto diplomático é usado como ferramenta de autopromoção política, e não de defesa de interesses de Estado. O problema é que, no longo prazo, isso mina a credibilidade externa. O mundo observa quando governos anunciam “avanços” que não existem, e o resultado é ceticismo. No caso brasileiro, a credibilidade já se esvaiu devido ao acumulado de encenações midiáticas no melhor dos casos, histriônicas e aparvalhadas, mas nefastas e perigosas em sua essência.
O próprio entorno de Trump reagiu com ironia às declarações de Lula. Advogados ligados ao presidente americano zombaram das falas do brasileiro sobre “independência do Judiciário” e à legalidade da condenação de Jair Bolsonaro, como noticiado por veículos como esta Gazeta do Povo. Em outras palavras, a tentativa de usar o encontro como troféu político acabou expondo o Brasil a, mais um, constrangimento diplomático.
A diplomacia brasileira parece mais preocupada em gerar manchetes do que resultados, com uma busca incessante de projeção de imagem, mas sem poder efetivo. Enquanto o Brasil posa para fotos, outros países fecham acordos. Enquanto o Brasil celebra gestos, países como Índia, Vietnã, Indonésia e México acumulam acordos comerciais efetivos e ampliam seu papel nas cadeias globais de valor.
A mídia brasileira e a compra da narrativa oficial
O episódio também expõe a fragilidade da cobertura jornalística brasileira. Em vez de questionar e analisar criticamente o conteúdo do encontro, muitos veículos de comunicação se apressaram em reproduzir a narrativa oficial do governo, sem aprofundar-se nos detalhes ou buscar fontes independentes.
Essa postura reflete uma tendência preocupante: a mídia tradicional brasileira, em sua maioria, tem se mostrado mais disposta a servir como megafone do poder do que como fiscalizador da ação pública. Ao adotar sem questionamentos a versão oficial dos fatos, contribui para a construção de uma realidade paralela, onde gestos vazios são transformados em conquistas substanciais.
O episódio na Malásia é o retrato exato da diferença entre política de palco e política de poder, revelando, de forma cristalina, o que acontece quando a diplomacia se transforma em espetáculo: o país confunde cortesia diplomática com conquista internacional e perde substância e credibilidade. Nenhuma tarifa foi suspensa, nenhum acordo assinado, nenhuma posição americana mudou. No âmbito do governo brasileiro decerto há, sobretudo entre os diplomatas profissionais, os que sabem ter sido a reunião de Kuala Lumpur uma meramente protocolar, mas que, ainda assim, endossam a narrativa eleitoral do Planalto de que o encontro teria consistido em vitória diplomática lulista ou “pá de cal” sobre a ação externa das forças políticas vinculadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
Foi, no máximo, uma boa foto, e só. O que ficou para o Brasil foi uma imagem inflada e vazia de significado estratégico. Enquanto o Brasil celebra o gesto, os Estados Unidos seguem exercendo poder real, definindo as regras do jogo global. A diplomacia não é teatro de vaidades; é instrumento técnico de defesa de interesses nacionais.
A lição é dura. Espetáculo sem resultado é ilusão. Diplomacia sem substância é decadência. O Brasil precisa voltar a entender essa distinção. Porque, no cenário internacional, quem confunde visibilidade com influência acaba ficando com a foto – e perdendo o poder.
Marcos Degaut é doutor em Segurança Internacional, ex-secretário especial adjunto de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e ex-secretário de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa.

