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o risco de shutdown real

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O governo federal aposta em manobras contábeis para evitar que a máquina pública pare de funcionar. A estratégia funciona – por enquanto. Mas o preço é uma bomba-relógio fiscal. A dívida pública caminha para 100% do PIB em uma década, segundo Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos e ex-secretário da Fazenda de São Paulo.

O Brasil já paga juros reais (acima da inflação) de 9,74% ao ano – a segunda maior taxa do mundo, atrás apenas da Turquia, de acordo com a consultoria financeira MoneYou.

O governo federal apresenta números formalmente dentro da meta de resultado primário estabelecida pelo novo arcabouço fiscal, mas os economistas são categóricos: é maquiagem. De novembro de 2014, quando as contas públicas entraram no vermelho, até outubro de 2025 a dívida saltou de 56,1% para 78,6% do PIB, segundo o Banco Central. As despesas obrigatórias – que consomem mais de 90% do orçamento – seguem crescendo.

O pesquisador Samuel Pessoa, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), calcula que apenas no atual mandato de Lula o endividamento público pode aumentar 11 pontos percentuais, metade do que foi registrado desde 2014.

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Pessoa utiliza uma analogia contundente para ilustrar o risco do descontrole inflacionário. Para ele, a inflação é “uma espécie de guerra civil” – o pior mecanismo de solução do conflito distributivo, depois da guerra propriamente dita. A comparação, embora dramática, reflete a gravidade do conflito distributivo quando o Estado perde capacidade de arbitrar disputas por recursos via orçamento.

Gastos vinculados: a raiz do problema fiscal

Samuel Pessoa, Mansueto Almeida (ex-secretário do Tesouro, hoje no BTG Pactual) e Fábio Serrano (diretor-executivo do BTG) resumem o diagnóstico: a rigidez do gasto e a inércia de seu crescimento são o principal entrave para a estabilização da dívida pública e para o reequilíbrio macroeconômico do país.

Os gastos compulsórios crescem acima da inflação por vários motivos estruturais. O principal é o envelhecimento acelerado: brasileiros acima de 60 anos saltaram de 5,1% (1970) para 15,6% (2022) e chegarão a 37,8% em 2070, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Isso significa mais aposentadorias, mais pensões e mais gastos com saúde de idosos.

A maioria dos benefícios (aposentadorias, pensões, BPC) está atrelada ao salário mínimo. Em 2023, o governo restabeleceu a regra de que o mínimo deve crescer acima da inflação quando há expansão da economia, gerando um efeito cascata: cada aumento real eleva automaticamente benefícios vinculados, reduzindo o espaço para investimentos e custeio.

Quando precisa fazer ajustes para cumprir metas fiscais, o governo só pode cortar investimentos e custeio – exatamente as áreas que sustentam o funcionamento da máquina pública e a capacidade de expansão futura.

Diante dessa armadilha – cortar justamente o que gera crescimento –, o governo optou por contornar o problema em vez de enfrentá-lo.

As manobras contábeis para adiar o colapso

As operações incluem duas frentes principais. A Emenda Constitucional (EC) 136 alterou as regras de precatórios (dívidas do Estado com empresas e pessoas, reconhecidas em definitivo pela Justiça), excluindo parte desses valores do cálculo do resultado primário.

Paralelamente, o governo retirou despesas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do teto de gastos, afastando os investimentos do cômputo das metas fiscais. Ambas as frentes utilizam empresas estatais como veículos para executar despesas sem onerar formalmente o resultado primário ou o limite de gastos.

Recentemente, o governo conseguiu autorização do Congresso para excluir da contabilidade oficial gastos de até R$ 5 bilhões por ano com Defesa e mais R$ 10 bilhões, em 2026, com empresas estatais – neste último caso, uma permissão sob medida para socorrer os Correios. O total de despesas fora da regra fiscal desde o início do mandato já passa de R$ 330 bilhões.

Dois anos de crise adiada

Luiz Guilherme Schymura, pesquisador do FGV Ibre, aponta que essas medidas conseguiram adiar o colapso da máquina pública de 2027 para 2029. À primeira vista, dois anos de respiro podem parecer uma conquista. Mas é o que os gregos chamavam de vitória pírrica: aquela obtida a um custo tão alto que equivale a uma derrota.

O custo vem na forma de juros reais elevados, que devoram recursos que poderiam ir para investimentos ou serviços públicos. Centros de pesquisa e mercado financeiro convergem: devido ao desequilíbrio fiscal estrutural, os juros reais permanecerão altos por período prolongado. Isso restringe a economia. A Selic nominal está em 15% ao ano, o nível mais elevado em 19 anos.

Alexandre Manoel, sócio da Global Intelligence and Analytics, considera essa perda de credibilidade o problema econômico central do Brasil. É a principal trava para o crescimento sustentável. A deterioração já está em curso: dívida em expansão, orçamento rígido, regras fiscais fragilizadas.

A resposta está numa contradição aparente que expõe a fragilidade do arcabouço fiscal atual.

O paradoxo: regras cumpridas, dívida crescente

O governo consegue cumprir formalmente as regras fiscais e evitar o shutdown imediato, mas a dívida pública continua crescendo. Dois fatores explicam isso: o déficit primário (gastos acima da arrecadação, sem contar juros) e os juros elevados – reflexo direto da percepção de risco fiscal pelos investidores.

O déficit é crônico. Desde novembro de 2014, no governo Dilma Rousseff, as contas públicas fecham no vermelho. A exceção são breves períodos, como entre novembro de 2021 e maio de 2023, impulsionados pela recuperação pós-pandemia e receitas extraordinárias. No terceiro mandato de Lula, apenas sete dos 33 meses até setembro de 2024 registraram superávit, apontam números do Banco Central.

O déficit persiste porque as receitas não crescem o suficiente para acompanhar o aumento dos benefícios constitucionais, especialmente previdenciários e assistenciais. Os juros altos agravam brutalmente o problema. Com a Selic em patamares elevados, o custo de financiamento da dívida consome uma parcela crescente do orçamento.

O shutdown: quando a máquina pública para

Essa combinação explosiva – déficit crônico e juros altíssimos – torna o colapso inevitável. Thiago Sbardelotto, economista da XP Investimentos, reforça que o shutdown decorrerá desse desequilíbrio estrutural, já que o gasto obrigatório cresce continuamente acima do sustentável. “Em algum momento haverá o colapso do arcabouço fiscal”, afirma.

Shutdown é a paralisia da máquina pública por esgotamento dos recursos destinados a despesas discricionárias – aquelas não previstas como obrigatórias por lei. O fenômeno ocorre quando mais de 90% do orçamento já está comprometido com gastos compulsórios (aposentadorias, salários, BPC, saúde e educação), restando menos de 10% para investimentos e custeio.

É justamente nessa margem estreita – manutenção de prédios, energia, materiais, terceirizados – que o aperto fiscal ataca primeiro. Diferentemente dos investimentos (que podem ser adiados) e dos gastos constitucionais (prioritários por lei), o custeio é essencial para o funcionamento diário da máquina: sem ele, hospitais, escolas, delegacias e órgãos administrativos simplesmente param.

As consequências são concretas: hospitais sem insumos, escolas sem material didático, forças de segurança sem combustível, tribunais sem papel. “Imaginem as Forças Armadas sem munição, o Ibama e a Polícia Federal sem gasolina, o PAC zerado e os Ministérios sem pagar a conta de energia? Parece caricatura, mas é para lá que caminhamos”, diz Marcus Pestana, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI).

Schymura reforça que o conjunto de medidas legislativas “deve afastar o fantasma de shutdown em 2027″, o primeiro ano de um novo mandato presidencial. A folga temporária é crucial, mas colabora muito pouco com o cenário fiscal a longo prazo.

Por trás dessa estratégia de curto prazo está uma aposta implícita: que a economia cresça o suficiente para aliviar as contas públicas sem tocar nas despesas estruturais. É um jogo arriscado.

Aposta arriscada: crescer para adiar reformas

A expansão do PIB não é garantida, especialmente com juros tão altos. E mesmo se vier, pode não ser suficiente para compensar o avanço vegetativo das despesas vinculadas. Ainda assim, a motivação do governo é política: evitar decisões impopulares antes de 2026.

Reformas estruturais que ataquem o cerne do problema – desvinculação de benefícios do salário mínimo, revisão de critérios de aposentadoria, cortes em programas sociais – são politicamente tóxicas e nenhum governo quer implementá-las em ano pré-eleitoral.

A aposta implícita é que a atividade econômica resolverá o problema, ou ao menos o amenizará o suficiente para atravessar o período eleitoral sem turbulências maiores. Mas especialistas são unânimes: essa estratégia é arriscada demais.

O consenso técnico que a política ignora

O consenso técnico é claro: o problema são despesas previdenciárias e assistenciais indexadas ao salário mínimo, que crescem inexoravelmente. A solução, portanto, exige reformas que desvinculem benefícios do mínimo, endureçam critérios de acesso e travem o crescimento automático de despesas acima da capacidade fiscal.

“A primeira grande reforma é uma rediscussão sobre o salário mínimo, seja desvinculando o benefício (como o BPC/LOAS) ou mudando a regra de reajuste do salário mínimo”, diz Sbardelotto, da XP Investimentos.

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