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Por que Trump revive o termo “Terceiro Mundo”

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No fim de novembro, o governo dos Estados Unidos anunciou a suspensão de todos os pedidos de imigração (green cards, naturalizações e asilos) de cidadãos originários de 19 países não europeus. A decisão teve como justificativa a “segurança nacional”.

Em meio à medida, o presidente Donald Trump declarou que pretende interromper permanentemente a imigração de “países do Terceiro Mundo” para que o “sistema americano se recupere totalmente”.

Essa não é a primeira vez que Trump recorre ao rótulo “Terceiro Mundo”: em 2024, ao criticar um procurador federal, ele descreveu a ação como típica de “países do Terceiro Mundo e repúblicas de bananas”.

O uso recente do termo reacendeu o debate sobre a pertinência e a atualidade dessa expressão — e sobre as intenções de Trump ao utilizá-la.

Vocabulário da Guerra Fria

Criado no início da Guerra Fria, o termo Terceiro Mundo surgiu para nomear países que não se alinhavam nem ao bloco capitalista, liderado pelos Estados Unidos, nem ao bloco socialista, comandado pela União Soviética.

A expressão foi popularizada pelo demógrafo francês Alfred Sauvy, em 1952, numa analogia ao “Terceiro Estado” (a população comum, sem privilégios) da Revolução Francesa. O objetivo era descrever, de modo neutro, um grupo de nações recém-independentes e ainda em construção institucional, muitas delas marcadas pelos processos de descolonização.

Para o sociólogo americano Immanuel Wallerstein, a criação do conceito foi relevante. “Seu mérito foi o de lembrar a existência de uma imensa zona do planeta para a qual a questão primordial não era a do alinhamento em um ou outro campo, mas qual seria a atitude dos Estados Unidos e da União Soviética em relação a ela”, afirmou para o jornal Le Monde Diplomatique.

Com o tempo, porém, “Terceiro Mundo” passou a ser evitado em documentos oficiais e no debate público, considerado um rótulo simplificador ou “inadequado” — inclusive segundo os padrões do politicamente correto que ganharam força nas últimas décadas.

Na linguagem cotidiana (e até em certos documentos internacionais ao longo do século 20), “Terceiro Mundo” passou a ser associado a pobreza, fragilidade institucional ou atraso econômico. Essa ampliação acabou tornando a classificação pouco precisa, já que reunia países com realidades muito diferentes sob um mesmo rótulo genérico.

A partir dos anos 1990, ao fim da Guerra Fria, a expressão foi gradualmente abandonada por organizações internacionais e por estudiosos de geopolítica.

“Com o fim do sistema bipolar, o mainstream acadêmico das Relações Internacionais considerou que o conceito de Terceiro Mundo não possuía mais consistência teórica ou operacional, uma vez que os países do Segundo Mundo (socialistas) estavam se convertendo em ‘Democracias de Mercado’”, explicou Paulo Visentini, professor de Relações Internacionais na UFRGS, na Revista Brasileira de Estratégia e Relações Internacionais.

Hoje, termos como “países em desenvolvimento”, “economias emergentes” ou “Sul Global” são considerados mais adequados, ainda que imperfeitos. Eles permitem uma descrição mais coerente da diversidade entre as nações.

Retórica trumpista

A volta do termo dialoga com a visão de mundo que Trump busca reafirmar em seu segundo mandato: uma geopolítica centrada na ideia de que os Estados Unidos precisam recuperar capacidade de decisão em um cenário internacional mais competitivo e menos previsível.

Ao recorrer a expressões antigas, como Terceiro Mundo, Trump não apenas aciona o imaginário de um mundo dividido, mas reforça sua premissa de que Washington deve priorizar interesses estratégicos claros diante de países que, na sua avaliação, representam riscos econômicos, migratórios ou de segurança.

Essa abordagem já havia aparecido em seu primeiro governo, em medidas como o endurecimento das regras migratórias, a pressão comercial sobre parceiros tradicionais e a cobrança mais firme de compromissos dentro de instituições multilaterais.

Agora, porém, Trump busca enquadrar sua política externa na narrativa de que os EUA precisam ser mais seletivos em suas alianças e mais enérgicos na defesa de suas fronteiras e recursos. Uma leitura que encontra eco em parte significativa do seu eleitorado.

“Devemos proteger nosso país contra invasões, não apenas contra as migrações fora de controle, mas também contra as ameaças transfronteiriças como o terrorismo, as drogas, a espionagem e o tráfico de pessoas”, afirma o documento “Estratégia Nacional de Segurança”, publicado na última sexta-feira (5) pelo governo do republicano.

Ao reduzir a complexidade das relações internacionais a categorias mais diretas, Trump procura mobilizar apoio político para medidas que considera essenciais à competitividade americana.

Se o uso do termo Terceiro Mundo desperta críticas por sua obsolescência, ele também indica a disposição do governo de reinterpretar debates históricos à luz de suas prioridades atuais.

E isso, por si só, mostra que a geopolítica do segundo mandato de Trump tende a ser marcada menos pela linguagem técnica e mais pela tentativa de comunicar, de forma contundente, uma ideia de fortalecimento nacional.

  • Trump diz que suspenderá permanentemente imigração de países “do terceiro mundo”

  • trump.resposta

    Trump critica procurador por reformular denúncia contra ele: “Terceiro Mundo”

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