Com preços mais estáveis e preparo mais rápido, o macarrão está ganhando espaço no prato do brasileiro, em substituição aos tradicionais arroz e feijão. Um levantamento da VR a partir de mais de 5 milhões de notas fiscais emitidas entre 2023 e 2025 mostra que o consumo da massa cresceu cerca de 1.300% no período.
O avanço é aproximadamente 80% maior que o observado para o arroz e 70% superior ao do feijão, segundo a pesquisa. Um dos principais fatores é a variação de preço, segundo a empresa.
O macarrão, preparado a partir do trigo importado, foi favorecido no período por uma safra global recorde e pela estabilização da cotação internacional do cereal, mantendo preços constantes.
Já os alimentos cultivados no Brasil tiveram valores impulsionados pela alta no custo de fertilizantes e, no caso do arroz, pela quebra de safra com as enchentes no Rio Grande do Sul.
O descolamento de preços foi significativo para o orçamento familiar. Entre janeiro de 2023 e dezembro de 2024, o arroz acumulou alta de 34,8%, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O preço do feijão preto, por sua vez, subiu 11,48% no período.
O macarrão, enquanto isso, teve uma deflação de 2,49% ao longo dos mesmos 24 meses – o IPCA geral acumulado nos dois anos foi de 9,68%.
“Os padrões observados na série reforçam que mudanças econômicas e comportamentais caminham juntas”, diz a VR no comunicado de divulgação da pesquisa. “Ainda que o arroz e o feijão mantenham papel central na dieta brasileira, a estabilidade de preços e a praticidade do macarrão pode ter se tornado o alimento protagonista da mesa em muitos lares.”
Campeão da feijoada: estado produz sozinho quase 80% do feijão preto do país
Em 2025, houve uma correção significativa nos valores do arroz e do feijão preto, que recuaram em média 20,85% e 31,25%, respectivamente, até setembro – o macarrão caiu 0,27% nos mesmos sete meses.
Dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) mostram, porém, que o abandono do arroz e do feijão pelo brasileiro não é recente.
Segundo levantamento da instituição a partir de informações da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o consumo per capita anual de arroz beneficiado, em 2024, foi de 28,5 kg, e o de feijão, de 13,2 kg.
Na série histórica da Embrapa, o pico do consumo médio de arroz foi em 1997, quando chegou a 48,69 kg anuais por habitante. Já em relação ao feijão, a máxima ocorreu em 1967, com 26,57 kg.
Maioria dos brasileiros deixou de comer feijão regularmente em 2025, segundo pesquisa
Uma pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) a partir de hábitos de alimentação de brasileiros entre 2007 e 2017 já projetava que em 2025 o brasileiro deixaria de comer feijão de forma regular – ou seja, o hábito considerado não regular (um a quatro dias na semana) passaria a ser o mais prevalente na população.
Publicado em 2020 na revista científica Public Health Nutrition, o trabalho, liderado pela pesquisadora Fernanda Granado, constatou que desde 2022 as mulheres já compõem majoritariamente o grupo de consumo não regular. Para os homens, a estimativa de alteração é no ano de 2029.
De acordo com a pesquisadora, há hipóteses que explicariam a diferença nos resultados entre os sexos, como a jornada dupla de trabalho das mulheres, que dificultaria o preparo de alimentos naturais ou minimamente processados e estimularia a compra de alimentos ultraprocessados ou prontos para o consumo; e a oscilação nos preços do feijão, que limitaria o consumo por quem ganha menos.
As tendências foram traçadas a partir de dados do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), do Ministério da Saúde, e englobam uma amostra de 572.675 brasileiros com mais de 18 anos.
Se em 2007, 67,5% da população consumia feijão regularmente (cinco a sete dias por semana), dez anos depois, a proporção caiu para 59,5%. A queda aconteceu em todos os gêneros, faixas etárias e níveis de escolaridade. Mantido o ritmo, o feijão deixou de fazer parte da dieta regular de mais da metade da população brasileira neste ano.
Substituição de arroz e feijão por macarrão preocupa produtores
A mudança tem preocupado representantes do setor. “É um contrassenso: temos um alimento completo, nutritivo, barato e democrático, mas que ainda não recebe o valor que merece”, diz Marcelo Eduardo Lüders, presidente do Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe). “Não é apenas sobre mercado, mas sobre saúde pública, economia e até soberania alimentar”, acrescenta.
O Ibrafe lidera o movimento Viva Feijão, que conta com apoio de instituições como a Associação dos Produtores Irrigantes do Mato Grosso (Aprofir), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR), o Instituto Terras Altas (TAA), o Good Food Institute (GFI) e a Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Feijão.
Lüders ressalta que o consumo regular de feijão cinco vezes por semana é capaz de reduzir riscos de doenças crônicas, melhorar a qualidade de vida e aliviar gastos do sistema de saúde.
Em outra linha de pesquisa na UFMG, Fernanda Granado constatou que o consumo regular de feijão é o mais indicado para um bom estado nutricional. De acordo com os dados da pesquisa, o grupo que não consome o produto nenhuma vez na semana tem 10% mais chances de desenvolver excesso de peso e 20% mais chances de desenvolver obesidade.
Por outro lado, o consumo regular da leguminosa apresentou fator de proteção no desenvolvimento de excesso de peso (14%) e obesidade (15%).
No campo econômico, o presidente do Ibrafe destaca que o consumo regular do produto pela população significa renda para milhares de famílias produtoras, empregos na indústria e novas oportunidades de exportação.
“Culturalmente, o prato feito — com arroz, feijão, proteína e salada — é talvez o maior símbolo da nossa identidade alimentar. Negligenciá-lo é abrir mão de um patrimônio nacional”, defende.

