Uma fita métrica e poucos segundos é o suficiente para que qualquer pessoa tenha um alerta precoce sobre doenças graves como diabetes tipo 2, hipertensão, infarto e derrame. O indicador, no entanto, não envolve balança nem barriga, mas sim, o pescoço.
A circunferência do pescoço (CP) vem sendo reconhecida pela ciência como um dos melhores marcadores da gordura “errada” – a gordura visceral –, que se acumula na parte central do corpo e está por trás da síndrome metabólica, um grupo de fatores de risco. É um método tão simples que pode ser aplicado por qualquer profissional ou até pelo próprio paciente.
O endocrinologista e pesquisador da Universidade de Campinas (Unicamp), Bruno Geloneze Neto, desenvolveu com mais seis colegas, um estudo para validar o uso da CP como ferramenta para identificar síndrome metabólica (SM) e a resistência à insulina (RI) na população brasileira.
“A circunferência de pescoço nada mais é do que a medição do perímetro do pescoço da pessoa. O local é na base do pescoço, próximo do ossinho do peito, o esterno, com a pessoa em pé e usando uma fita não elástica”, explica o endocrinologista Bruno Neto à Gazeta do Povo.
Por que o pescoço diz tanto sobre o corpo?
A lógica é simples e sólida: quem acumula gordura no pescoço geralmente acumula gordura no tronco inteiro – especialmente a visceral, aquela que envolve órgãos. Essa gordura é metabolicamente ativa e causa inflamação, resistência à insulina e maior risco cardíaco.
“Quando a gente mede a gordura no pescoço, estamos tendo uma ideia da gordura que está no tronco do corpo. Porque tem a gordura que chama apendicular, que seria gordura dos braços, pernas, perto do ombro, etc. A gordura apendicular não é a que importa no sentido de doenças”, explica Neto.
Segundo o médico, a gordura que fica espalhada pelo corpo, de modo geral, é a apendicular, que tem pouco risco à saúde. Já a gordura localizada no abdômen, no tronco e envolta dos órgãos costumam ser a gordura visceral.
“Quanto maior for a quantidade de gordura no tronco, maior a circunferência do pescoço. E isso dá para estimar de maneira muito mais fácil a quantidade de gordura visceral do que fazer uma tomografia ou avaliação de composição corporal”, afirma.
Na prática, o pescoço funciona como um marcador substitutivo da gordura visceral, justamente a mais perigosa. A gordura visceral também prejudica o corpo de outras formas, além do aspecto metabólico. O endocrinologista divide em duas categorias: efeito mecânico e efeito metabólico local.
“No efeito mecânico, esse acúmulo de gordura pode dificultar a passagem do ar, principalmente porque a circunferência do pescoço tem relação direta com a quantidade de gordura na base da língua. Isso aumenta o risco de apneia do sono”, explica.
Já no efeito metabólico local, o professor da Unicamp aponta que há relação entre gordura no pescoço e gordura na artéria carótida, o que favorece o desenvolvimento de placas e aumento do risco de AVC. “Mostramos que, por proximidade, essa gordura no pescoço também pode ser negativa”, diz Neto.
Do diabetes ao infarto: o que o pescoço antecipa
Segundo Neto, o aumento da circunferência do pescoço está relacionado a todas as condições da síndrome metabólica, como:
- diabetes tipo 2;
- hipertensão;
- dislipidemia;
- ácido úrico alto;
- gordura no fígado;
- risco aumentado de apneia;
- resistência à insulina; e
- inflamação crônica.
Estudo brasileiro aponta que o pescoço pode ser tão eficiente quanto medidas tradicionais, como o índice de Massa Corporal (IMC). O grupo de Neto, na Unicamp, liderou uma pesquisa de referência mundial: o Brazilian Metabolic Syndrome Study (BRAMS).
“Foi o primeiro trabalho no mundo a descrever a circunferência do pescoço como indicador de resistência à insulina usando a técnica do clamp hiperinsulinêmico, que é o padrão-ouro”, explica Neto.
Mais recentemente, o time reanalisou os dados com inteligência artificial. “O principal indicador antropométrico para determinar resistência à insulina não era o IMC, o peso, a circunferência da cintura. Era a circunferência do pescoço”, conta.
Quando o pescoço importa ainda mais: pessoas magras com gordura mal distribuída
Um dos pontos mais importantes do método destacado por Neto é que o pescoço ajuda a identificar riscos em pessoas que não são obesas. O endocrinologista explicou que o pescoço denuncia o fenótipo metabolicamente obeso, mesmo em quem tem peso normal.
“Muita gente sempre foi magra e, quando ganhou peso, não ganhou tanto assim, mas só ganhou no abdômen e um pouco no pescoço. A camisa do terno não fecha mais. Essa pessoa pode ter muito mais problemas do que alguém com IMC maior, porém com gordura distribuída de forma menos perigosa”, conta Neto.
Limites e vantagens de usar essa medida
Nem tudo, porém, pode ser explicado pelo pescoço. Algumas condições tornam a medida menos confiável, como cirurgias na região, alterações anatômicas e bócio (aumento da tireoide). Mas a vantagem do uso do método é grande, especialmente para aplicação de políticas de saúde pública.
“É extremamente fácil de ser obtida. Qualquer profissional de saúde mede, e até a própria pessoa pode medir. Em uma praça, com as pessoas de roupa, medir abdômen pode ser constrangedor. Já medir o pescoço é simples”, explica.
O que fazer se a circunferência do pescoço estiver aumentada?
O estudo da Unicamp estabeleceu valores ideais para o tamanho da circunferência das pessoas, mas o valor muda a depender do sexo. Para homens, risco é maior para quem têm a circunferência do pescoço acima de 39,6 cm. Já no caso das mulheres, o risco é aumentado com circunferência do pescoço acima de 36,1 cm.
Após identificar que o pescoço está maior que o ideal, o professor recomenda aos pacientes consultar um médico e realizar uma avaliação clínica completa, como glicemia, colesterol, pressão, fígado, função renal e, se necessário, estudo do sono.
“Recomendo identificar e tratar as doenças individualmente. Mas, claramente, a redução do peso e, em especial, com atividade física, sempre é importante, mas nesse caso é ainda mais importante e deve ser levado em conta”, completa Neto.
Para casos de apneia do sono, o médico lembra que pode haver outros fatores anatômicos e, em situações específicas, indica-se cirurgia. Mas, no geral, o pescoço está apenas revelando o problema principal, que é o excesso de gordura visceral.
Neto defende que a circunferência do pescoço deveria ser incluída na prática clínica, assim como IMC e circunferência abdominal. “É uma medida clínica individual e também uma medida de fácil utilização em larga escala”, resume.
Simples, rápida e barata, ela ajuda a identificar pessoas sob risco antes de sintomas aparecerem e antes que doenças como diabetes, infarto ou derrame se tornem uma realidade.

